O gabinete de guerra israelita quer recomeçar a operação militar na Faixa de Gaza tão rapidamente quanto possível -- desta vez no Sul, visto que já não há muito para destruir na parte norte. Benjamin Netanyahu e o resto do grupo dirigente aposta imprudentemente numa solução militar. Por duas razões: primeiro, por acreditarem que assim conseguirão eliminar de vez a direção e os combatentes do Hamas; segundo, por pensarem que o caos resultante de uma ofensiva militar esmagadora acabará por expulsar de Gaza uma grande parte da população sobrevivente, levando-a a abandonar o território e a procurar refúgio noutras paragens, fora da Palestina..Trata-se da opção errada, enraizada numa atitude de vingança e na crença que um conflito profundamente complexo pode ser resolvido à bala, e na base do choque e do pavor. As consequências dessa opção são múltiplas: primeiro, um número ainda maior de vítimas civis. Segundo, a perpetuação dos anticorpos contra Israel na região e noutras partes do mundo. Terceiro, a projeção de uma imagem de desumanidade, que ficará colada a Israel por um longo período. Existe ainda um quarto resultado possível: uma viagem forçada para Haia dos dirigentes israelitas. Neste momento, esta hipótese parece improvável, devido ao apoio e às objeções de certos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, a começar pelos EUA. Mas não podemos ignorar que a realidade internacional muda rapidamente. Esta é uma década de profundas transformações geopolíticas. O que hoje se afigura como inverosímil pode acontecer no mundo de amanhã, para salvaguardar novas alianças políticas. Ou mesmo, por razões de política interna e de câmbios ao nível dos valores. Acresce que a revolução digital irá criar uma ética internacional diferente da conhecida até agora..Mais do que insistir no prolongamento da presente trégua, a escolha certa deve assentar num cessar-fogo político e não meramente humanitário. Os dirigentes de Israel têm de enveredar por um processo político de negociações com quem represente a população palestiniana. Têm de mudar de atitude e pensar em termos de igualdade e da dignidade dos outros. Não nos cabe decidir quem representa os palestinianos ou quem deve estar no governo de Israel. Cada parte terá de resolver essa questão da melhor maneira possível. Mas é fundamental que se sente à mesa das negociações quem tenha autoridade, legitimidade e vontade para chegar a um acordo. Os radicais, os terroristas e os fascistas xenófobos devem sair de cena..O objetivo é agora mais claro que nunca: permitir que se estabeleça, ao lado do Estado de Israel, um Estado da Palestina. Ambos devem ser viáveis, seguros e prontos para estabelecer relações de cooperação e de paz. É evidente que se tratará de um processo longo e complicado. Mas o essencial é iniciar esse caminho sem demoras, desde já, para se chegar a pequenos e grandes acordos sobre as questões vitais que precisam de ser resolvidas. Depois, haverá que estabelecer um plano de ação que defina as fases que será imprescindível seguir e definir um calendário realista para balizar o processo no tempo..Falar da criação de dois Estados sem apontar soluções concretas para as questões territoriais, as fronteiras, as compensações, os direitos humanos, a situação existente anterior a 1967 e a Iniciativa Árabe de Paz de 2002, sem definir os termos de uma coexistência enquanto vizinhos e as modalidades de uma segurança coletiva, é conversa fiada. Um engodo que deixa o terreno livre para novas confrontações. Quando Ursula von der Leyen ou Joe Biden mencionam essa solução devem igualmente propor um itinerário que nos leve ao destino. Só assim serão credíveis. Devem igualmente trabalhar no sentido da formação de uma coligação de países, do Médio Oriente e de fora da região, que possam servir de facilitadores. E não esquecer que a parte política das Nações Unidas tem necessariamente de estar incluída na iniciativa. O Conselho de Segurança terá, em última instância, que aprovar o acordo final..Essa é a proposta que deve ser colocada em cima da mesa. Uma boa parte dos políticos e da opinião pública israelitas são contra o projeto dos dois Estados. Cabe à coligação internacional que venha a mediar o processo convencer essas pessoas que não existe outra via para solucionar um problema que tem um impacto que ultrapassa largamente o Médio Oriente. É preciso saber explicar essa realidade. E também é necessário que ela seja entendida pelos principais dirigentes europeus e não só. O futuro da Palestina ou é decisivamente bem resolvido, ou dividirá certas sociedades europeias, criando fragmentos difíceis de gerir numa Europa cada vez mais diversa do ponto de vista étnico e civilizacional. Para nós, neste contexto, a pergunta essencial é a seguinte: quem tem a coragem para falar com clareza e tomar a iniciativa que se impõe?.Conselheiro em segurança internacional. Ex-secretário-geral-adjunto da ONU