Irmandade Muçulmana: rede subversiva e desafio europeu

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A Irmandade Muçulmana não é apenas um movimento religioso. Fundada em 1928 no Egito, construiu-se como organização política transnacional extremista, dotada de uma narrativa ideológica e de uma rede de influência que, quase um século depois, continua a moldar equilíbrios no Médio Oriente e na Europa. Desde a sua origem, adotou a oposição militante ao Estado de Israel, legitimando e participando na jihad armada em 1948 e mantendo essa linha através do Hamas, um dos seus braços operacionais.

O ecossistema mediático funciona como multiplicador estratégico. A estação de televisão Al Jazeera, financiada pelo Catar, tem sido acusada de atuar mais como plataforma de projeção política do que como órgão jornalístico.

Relatórios do European Foundation for Democracy (EFD) e do Institut Montaigne (França) destacam que a linha editorial do canal se alinha com os interesses estratégicos do islamismo político e da Irmandade Muçulmana. De forma complementar, análises produzidas pela Fundação Carnegie, pela Brookings Institution e publicadas no Middle East Journal identificam a Al Jazeera como um dos principais instrumentos de soft power de Doha, amplificando narrativas islamistas e legitimando atores como o Hamas. Não surpreende que o canal tenha sido restringido pela Arábia Saudita, Egito e Israel, por enviesar o discurso a favor da jihad.

Paralelamente, o Catar, referido como dos principais apoiantes da Irmandade, tem expandido a sua influência nos media através de plataformas como o Middle East Eye ou redes comunitárias na Europa, reforçando um soft power orientado para a promoção de agendas islamistas.

Já a Turquia, sob Recep Tayyip Erdoğan, tem garantido apoio político e logístico à Irmandade, permitindo também a ação do Hamas no seu território, transformando Ancara em plataforma de relançamento internacional.

As consequências para a Europa são crescentes. Um relatório oficial francês publicado em maio de 2025 pelo Comité Interministerial de Prevenção da Delinquência e Radicalização (CIPDR) detalhou a infiltração da Irmandade em mesquitas, associações e estruturas educativas, particularmente em cidades como Marselha, Lille e Lyon, levantando alertas quanto à erosão da laicidade e ao risco de fragmentação social.

Por sua vez, o Parlamento Europeu aprovou em junho de 2024 uma resolução sobre a interferência estrangeira nas democracias da UE, sublinhando o papel do Catar e da Turquia no financiamento e promoção de agendas islamistas ligadas à Irmandade Muçulmana. Essa resolução retomou as conclusões do Special Committee on Foreign Interference (INGE), que desde 2022 vinha alertando para a instrumentalização de associações comunitárias e mediáticas no espaço europeu.

Importa sublinhar um ponto crítico: combater a Irmandade Muçulmana não significa alimentar a islamofobia. A defesa dos valores democráticos exige firmeza na identificação de organizações extremistas e radicais, com historial de legitimação da violência e, ao mesmo tempo, exige a cooperação ativa com comunidades muçulmanas moderadas que se reveem no espaço democrático europeu.

No entanto, a ambiguidade de setores da esquerda e da extrema-esquerda europeia tende a diluir esta distinção. Ao confundir diversidade cultural com tolerância face a agendas radicais e tentando promover as suas agendas políticas internas, alguns partidos alinham-se com campanhas como o boicote a Israel, sem considerar a instrumentalização islamista. A título de exemplo, em 2024, os Verdes britânicos classificaram Israel de “estado de apartheid” e apoiaram o movimento BDS, enquanto em 2025 exigiram que a BBC boicotasse a Eurovisão caso Israel participasse. Mas as posições e iniciativas semelhantes sucedem-se.

Estas posições, ainda que sob bandeira dos direitos humanos, ecoam narrativas islamistas e ignoram o enquadramento mais amplo do terrorismo do Hamas.

O desafio para as democracias europeias passa, assim, pela formulação de respostas estratégicas e calibradas: combater a desinformação e as falsas narrativas, evitar capitalizar politicamente sobre os sentimentos da população ampliados por essa desinformação, investigar fluxos de financiamento estrangeiro em instituições religiosas, associações culturais e empresas de media, reforço da recolha de informações sobre redes de fachada e desenvolvimento de parcerias com líderes muçulmanos que se distingam pela moderação e pela rejeição da violência. Só esta abordagem equilibrada permitirá sustentar valores democráticos, conter o avanço da agenda islamista e, ao mesmo tempo, prevenir a tentação de respostas baseadas no preconceito.

Analista de Estratégia, Segurança e Defesa

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