Ir além do perfil presidencial
O processo político relativo às Eleições Presidenciais acelerou-se. A Comissão Nacional do PS reuniu no passado fim de semana para ouvir o que têm para dizer os representantes dos militantes no mais importante órgão entre Congressos. Desta reunião saiu a orientação política geral segundo a qual, quem, do espaço político do centro-esquerda, quiser ser candidato, deve assumir essa vontade. Posteriormente, no momento considerado oportuno politicamente, os órgãos do partido tomarão uma decisão sobre quem apoiar. Um candidato único na área do centro-esquerda, com o apoio do PS, tem todas as condições para passar à segunda volta e disputar a eleição.
Se atendermos às muitas análises feitas a propósito da Eleição Presidencial, concluiremos que tem havido uma excessiva centralidade na abordagem às características pessoais dos eventuais candidatos e ao seu percurso profissional e político. O que se compreende dada a natureza unipessoal da candidatura e a natureza dos poderes presidenciais, cujo primeiro compromisso é o de velar e defender os valores constitucionais.
Seria, contudo, um exercício mais completo caso essas análises procurassem ter em consideração a atual e a futura conjuntura internacional na qual Portugal terá de se reposicionar à luz dos fins da sua Política Externa, dos seus compromissos, dos seus recursos e do seu modelo de desenvolvimento económico e social.
Um Presidente não é o Governo. E não deve, por ação ou omissão, deixar-se confundir com o Governo. Mas, a sua magistratura de influência conta. E pode contar muito. Por isso, é muito importante conhecer a sua mundivisão. Ou seja, perante o momento especialmente exigente, no que respeita aos alicerces da ordem internacional herdada do pós-II Guerra Mundial e da sua posterior adaptação sistémica, realizada desde 1989, é essencial conhecer o que pensam os candidatos sobre o modo como teremos de enfrentar os tempos especialmente exigentes que teremos pela frente.
O desfecho da guerra na Ucrânia, os desenvolvimentos no Médio Oriente, as declarações de Donald Trump sobre o Canadá, a Gronelândia, o Panamá, o México e, agora, a Palestina, a par com a guerra comercial, cujos efeitos económicos globais não deixarão de se fazer sentir, mostram que poderemos estar de regresso a uma ordem internacional baseada na competição e no conflito que, a qualquer momento, pode romper com o frágil equilíbrio de poderes entre os principais competidores.
Sejamos claros: há históricas disputas territoriais que estão congeladas e que, de um momento para o outro, podem ressurgir. Com efeitos globais.
As primeiras decisões adotadas pela nova Administração norte-americana no que à sua Política Externa diz respeito, mostram uma abrupta rutura com os valores do multilateralismo e da cooperação assentes na Carta das Nações Unidas e na Carta dos Direitos Humanos, e rompem com um percurso de liberalização do comércio internacional iniciado e promovido pelo Acordo Geral sobre as Tarifas e o Comércio (GATT) e, a partir dos anos 90 do século passado, pela Organização Mundial do Comércio (OMC).
Muitas das linhas mestras da agenda política internacional para a paz, para o combate à pobreza e às desigualdades, para a justiça, o ambiente, o comércio e o desenvolvimento tinham tido no então secretário - geral das ONU, Boutros Boutros Ghali, um dos grandes promotores.
Essas linhas de desenvolvimento inspiraram todo um percurso que veio a culminar nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável 2030, até agora centrais no modelo económico e social da União Europeia e na agenda política da grande maioria dos seus Estados-membros.
Todo este percurso parece estar a ser posto em causa. E com ele, a agenda prioritária do combate à pobreza e às desigualdades; do combate ao desafio demográfico e de resposta estruturada às migrações; do combate às alterações climáticas e aos desafios da transição digital, entrará em crise aguda.
Em face deste quadro geoestratégico, geopolítico e geoeconómico e do papel que Portugal sempre procurou assumir no seu posicionamento perante a Europa e o mundo, reitero a importância de conhecermos o que pensam os que desejam habilitar-se ao desempenho da função presidencial. Pelo que isso significa em si mesmo, mas, também, no que significa para o diálogo e a cooperação estratégica com os outros órgãos de soberania.
Deputado do PS