Inteligência Artificial no sector bancário: tecnologia normal e desafios reais

Paulo Gonçalves Marcos

paulo.goncalves.marcos@dn.pt

Publicado a

Muito se tem escrito sobre a Inteligência Artificial (IA). Uns anunciam um futuro de abundância ilimitada, outros temem máquinas que nos substituirão por completo. Entre o entusiasmo e o catastrofismo, há uma ideia que merece ser sublinhada: a IA deve ser vista como uma tecnologia normal.

Tal como a eletricidade no século XIX ou a internet no final do século XX, a IA não é um fenómeno sobrenatural nem uma ameaça existencial. É uma ferramenta criada por pessoas, com riscos concretos e benefícios potenciais. O sector bancário, que historicamente sempre esteve na linha da frente da digitalização, é hoje um dos campos mais expostos a esta transformação.

Nessa medida, importa refletir sobre o que significa, para os bancários, encarar a IA como tecnologia normal.

Em primeiro lugar, a mudança será gradual e não súbita. No discurso público, fala-se muitas vezes da IA como se, de repente, os postos de trabalho fossem desaparecer. Na realidade, o que vemos nos bancos é um processo gradual: automatização de tarefas administrativas, apoio na análise de risco, deteção de fraude, personalização de serviços ao cliente. O impacto é profundo, mas não instantâneo.

Em segundo lugar, os riscos serão passíveis de ser geridos e próximos. Para os trabalhadores, os verdadeiros riscos não vêm de uma “superinteligência rebelde”, mas de problemas bem conhecidos: perda de postos de trabalho, pressão para a requalificação acelerada, desigualdade entre quem domina, ou não, as novas ferramentas. Estes são os riscos – e não cenários de ficção científica – que devem ocupar a negociação coletiva e a intervenção sindical.

Em terceiro lugar, importa realçar o papel insubstituível do ser humano. A IA pode processar dados em segundos, mas não substitui a empatia no contacto com o cliente, a compreensão contextual de cada situação, nem a responsabilidade ética nas decisões financeiras. O trabalho bancário vai mudar, mas o valor humano continuará central. Cabe-nos reivindicar que essa centralidade seja reconhecida e protegida.

Por último, importa olhar para as políticas e contratos para a transição. Tratar a IA como tecnologia normal significa encarar esta mudança com pragmatismo. Implica exigir formação contínua, negociação de novos perfis profissionais, mecanismos de proteção no emprego e distribuição justa dos ganhos de produtividade. Envolve também reforçar a regulação para evitar a concentração de poder nas grandes plataformas tecnológicas que já hoje fornecem soluções de IA ao sector.

Em vez de nos perdermos em cenários de apocalipse ou de utopia, precisamos de uma abordagem realista: a IA será transformadora, mas de forma progressiva, e sobretudo através das escolhas políticas, empresariais e laborais que fizermos.

A IA não retira relevância aos bancários; obriga, isso sim, a reforçar a sua voz coletiva para garantir que a transição tecnológica não se faz à custa dos trabalhadores. É esse o compromisso que deve ser assumido: negociar, proteger e projetar o futuro do trabalho bancário numa era em que a tecnologia é normal – mas os direitos têm de continuar a ser fundamentais.

Presidente do SNQTB – Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários

Diário de Notícias
www.dn.pt