Indústria automóvel europeia: reinvenção ou morte

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Com a renúncia de Carlos Tavares ao cargo de CEO da Stellantis - o fabricante de automóveis que resultou da fusão do grupo PSA e da Fiat Chrysler Automobiles - ressurgiu o queixume europeu sobre a crise da indústria automóvel continental, acompanhado do necessário bode expiatório, neste caso a China. Este estado de negação a que o setor se entregou na última década, para o qual o gestor português muito contribuiu enquanto presidente da Associação Europeia dos Construtores Automóveis (ACEA), foi o principal inibidor de uma reinvenção e reposicionamento, que era manifestamente necessária para fazer frente ao novo concorrente oriental.

Enquanto as marcas europeias dominaram a construção de veículos, beneficiando de apoios estatais massivos, nomeadamente na Alemanha, em França, na Itália e no Reino Unido, e progressivamente deslocalizando a produção para geografias de mão-de-obra mais barata, China incluída, nada parecia ser um problema. Foi, sem dúvida, um século de glória para os veículos europeus equipados com motores de combustão interna.

Sucede que o mundo muda. Quer pela via da regulação, que passou a demandar veículos elétricos para mitigar as externalidades negativas da mobilidade individual, quer pela via do mercado, que reclama performances  e preços mais competitivos, quer sobretudo pela via da concorrência, com a chegada da Coreia do Sul e da China.

Os construtores europeus dormiram à sombra do sucesso das suas marcas e recusaram-se a aceitar que o vento tinha mudado. Ao invés de ajustarem as velas, embarcaram numa luta contra a corrente, encabeçada pela ACEA e frequentemente verbalizada por Carlos Tavares. A retórica era a de que o elétrico não era solução, que não havia rede com capacidade para abastecer tantos veículos, que os chineses tinham todos os apoios e não era possível competir com eles e que o setor era demasiado grande na Europa, em produto e emprego, pelo que teria de ser ajudado.

Não são poucos os gestores de topo que constroem uma reputação de genialidade, alavancada em estratégias de comunicação bem urdidas, mas que, a certa altura, se percebe que têm pés de barro. Ao invés da atitude negacionista, melhor teriam andado os gestores da indústria automóvel europeia se se dedicassem menos a esconder as emissões dos seus carros e mais a investir no desenvolvimento de um produto descarbonizado e competitivo. E, já agora, a criar autonomia estratégica em áreas como as baterias, os microchips e o software avançado de apoio à condução.

Perante a fulminante ascensão da americana Tesla e dos fabricantes chineses, como a BYD ou a Geely, os europeus limitaram-se a chorar, como o miúdo que estava habituado a ser o dono da bola e que descobriu que, afinal, havia outras bolas.

Agora que começaram a fechar fábricas, antecipo que mais gestores cairão do pedestal, substituídos por outros que ambicionem a reinvenção - na tecnologia, no produto e no modelo de negócio.

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