Como, habitualmente, acontece com as questões importantes em Portugal, também no tema dos incêndios gastamos tempo e energia a discutir o acessório e não abordamos o essencial. É manifesto que o governo de Luís Montenegro ao escolher ser discreto no combate aos incêndios errou na estratégia. Falhou ao não ter adiado a Festa do Pontal. A ausência do governo nos primeiros dias dos incêndios e o modo tardio como activou o mecanismo europeu de combate aos mesmos vai provocar estragos no Executivo, que apareceu depois, a correr atrás dos prejuízos e a distribuir apoios num Conselho de Ministros extraordinário, em Viseu. Mas o erro estava feito e o Executivo já não se livra das consequências. Em política a simbologia também conta e em momentos de crise a população não dispensa a presença do governo ainda que ela possa, tecnicamente, servir para pouco. Nestes dias temos sido assoberbados com imagens nas televisões, com chamas, populações a combaterem as labaredas com as mais ancestrais ferramentas, queixas dos autarcas sobre falta de meios. É o déjá vu que se repete todos os anos, sem que os problemas de fundo sejam resolvidos pelos governos que vão passando. Para além das alterações climáticas que agravam a situação e que vamos ter de enfrentar nos próximos anos, esta realidade por si só já justificaria uma abordagem estrutural às razões que estão por detrás do incêndios. A desertificação do interior dura há anos sem que qualquer governo tome medidas eficazes e sérias para resolver esta situação. 85% da população portuguesa está concentrada na faixa litoral do país. As zonas do interior não têm vida económica porque não têm pessoas nem actividades que alterem o paradigma social daquelas regiões. A primeira medida estrutural que deveria ser desencadeada no problema dos incêndios seria pois a instalação de mais empresas nas zonas despovoadas. Para o efeito os governos deveriam dar significativos incentivos fiscais, no domínio do IRC e outros, e as câmaras municipais apoiarem em tudo o que fosse, materialmente, possível a instalação de empresas nas zonas do interior do país. A floresta de hoje não é a floresta que tínhamos há 200, 300, 400 anos atrás. O lóbi das celuloses e da pasta do papel domina as instituições e tem uma enorme força junto dos governos. Assim, cada vez mais se verifica o crescimento do eucalipto, sem que os governos consigam um equilíbrio na gestão da floresta que limite a plantação dos mesmos. Os proprietários dos terrenos veem nos eucaliptos a maneira mais fácil de rentabilizar as terras e o eucalipto ocupa hoje 26 % da nossa área florestal. Sendo uma das árvores responsáveis pela severidade e dimensão dos incêndios, a Lei dos Eucaliptos, que era destinada a diminuir a existência deste tipo de árvore em Portugal, não tem sido cumprida. Assim 10% da área do país está dedicada, exclusivamente, ao eucalipto. São cerca de 881.735 hectares com eucalipto. Por outro lado há longas faixas de eucaliptos sem um ordenamento criterioso que inclua o plantio de árvores autóctones que impeçam uma evolução rápida dos incêndios. Hoje está provado que, este facto, contribui para que qualquer incêndio se torne incontrolável, 10 a 15 minutos após o seu início. À inexistência de empresas nas zonas interiores do país junta-se uma gestão ( ou falta dela) que não privilegia a agricultura e pastorícia. Não há agricultura no interior. Não nos recordamos de nenhum governo que tenha dado algum tipo de apoio para a instalação de jovens agricultores no interior de Portugal. As pessoas que vivem nas regiões interiores do país são idosos, A pastorícia, praticamente, é inexistente, e não temos uma floresta equilibrada e com vitalidade económica. Despovoamento do interior, agricultura e pastorícia e desordenamento florestal. Era nestes parâmetros que os governos deveriam intervir levando em linha de conta as alterações climáticas que agravam o problema. Simplesmente substituir a economia do fogo, suportada nas empresas de celulose e nas de aluguer de aviões de combate aos incêndios por uma outra economia produtiva. Quanto ao combate aos incêndios tem havido um conjunto de disparates, sobretudo no que respeita à aquisição de meios aéreos. Somos o único país da União Europeia que não possui os mais eficazes meios aéreos de combate aos fogos - os Canadair Anfíbios. Foram, recentemente, encomendados dois que chegarão em 2029. A inexistência de Canadairs deve-se a um erro cometido por António Costa que não seguiu o parecer técnico da consultora Roland Berger que, no governo de Santana Lopes, aconselhou a aquisição daquelas aeronaves. Costa, sabe-se lá porquê, optou pela compra de helicópteros Kamov de fabrico russo a uma empresa que se encontrava falida. Foram comprados seis Kamov, por 42 milhões de euros, mas apenas três vinham a funcionar. Portanto, para o futuro, um governo que queira resolver o problema dos incêndios tem de o fazer ao nível estrutural, modificando os parâmetros económicos da regiões do interior, promovendo uma nova gestão da floresta, e tendo a coragem de ir contra os interesses instalados do lóbi da pasta do papel e das celuloses. Para isto é preciso pensar o país com coragem e determinação, coisa que não vimos nos governos anteriores e temos sérias dúvidas que exista no actual. Governos que veem a árvore, mas não conseguem ver a floresta. Jornalista