Importa a cor da pele numa morte violenta?

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Em Charlotte, nos Estados Unidos, na noite de 22 de Agosto passado, uma rapariga ucraniana refugiada, branca, de 23 anos, Iryna Zarutska, foi brutalmente assassinada por um negro, de 34 anos, Decarlos Brown Jr, num comboio. Há um vídeo que tem percorrido as redes sociais e que mostra o brutal ataque. Houve provocação ou alguma interacção por parte de Iryna? Não. Não houve motivação aparente para o ataque, a não ser a mera razão de Iryna existir. Durante os primeiros dias após o sucedido, não houve muitas notícias na comunicação social, quase como que abafando o caso. A circulação do vídeo obrigou a que os media se manifestassem mais assertivamente. Parece que, a medo, focam-se no debate da necessidade de maior policiamento pela falta de segurança. Outros houve que deram maior relevância à problemática da saúde mental, pois alegadamente o assassino, que já tinha cadastro e já fora preso por outros delitos, parecia sofrer deste problema. Em momento algum foi colocada em cima da mesa a hipótese de crime racial. Ou de xenofobia.

Eu também não estou a dizer que o foi: o que venho salientar aqui é com que facilidade estas duas palavras são utilizadas em notícias quando quem comete um assassinato é branco e a vítima é de outra cor, mesmo quando a motivação não é essa ou não é clara que seja essa, como é este o caso. E como se coloca o debate na ordem do dia sobre racismo, xenofobia, sobre as ameaças aos refugiados; no entanto, quando o criminoso é negro e a vítima é branca, essas hipóteses não são consideradas em momento algum. E não é linear, muitas vezes, que os motivos sejam claros nos primeiros casos ou nos segundos, embora sejam logo considerados nas primeiras hipóteses e nunca cogitados nas segundas. Curiosamente, este caso não tem apaixonado a comunicação social portuguesa, muito menos os partidos políticos portugueses, tão dados a condenar certos actos que acontecem lá fora.

Todas as mortes violentas são condenáveis e lamentáveis. Mas será que, para alguns, a cor da pele importa?

Professora auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa e investigadora (do CIDEHUS).

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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