Imaginemos 2030: pouca regulação e muito risco climático e social

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Imaginemos que chegamos a 2030 e que as alterações climáticas não foram adequadamente reguladas, porque tais medidas não originavam votos na Europa, tendo existido também lobby corporativo para adiar a regulação. No entanto, os eventos climáticos extremos, como ondas de calor, secas, inundações e tempestades, tornam-se cada vez mais frequentes e severos, ficando as comunidades mais vulneráveis sujeitas aos impactos económicos, financeiros e sociais que esses eventos acarretam (perdas de ativos, necessidades de investimentos, baixa de produtividade, acidentes de trabalho, aumento custos operacionais e da cadeia de valor, seguros mais caros, etc). As empresas localizadas nessas regiões mais vulneráveis, são forçadas prepararem-se para antecipar e lidar com a ocorrência dos eventos climáticos, ficando exclusivamente sobre elas a necessidade de obterem conhecimento sobre como incorporar os riscos climáticos e sociais nos seus riscos operacionais e sistemas de continuidade do negócio. Sem uma estrutura regulatória robusta, as organizações terão de lidar com estes temas por conta própria, o que representa um desafio significativo para a gestão das empresas, principalmente para as PME.

Neste cenário, e dando continuidade ao que já conseguimos ver em desenvolvimento, uma regulação social fraca implica que certas questões de direitos humanos e bem-estar dos trabalhadores não são priorizadas, resultando num aumento do stress e da insatisfação no local de trabalho, impactando a produtividade, a moral e a estabilidade social da empresa. Assim, caberá também às empresas a responsabilidade de cuidar da saúde e bem-estar dos seus colaboradores, de forma garantir uma paz social interna que compense o colaborador pelo diminuição da proteção social decorrente da diminuição da evolução da regulação.

As empresas enfrentam assim uma série de desafios neste contexto. A gestão de riscos climáticos torna-se uma tarefa complexa e que necessita de investimentos. As organizações precisam de investir em conhecimento, processos e acesso a tecnologias para monitorar e mitigar os impactos das alterações climáticas, o que pode exigir capital significativo. Além disso, a adaptação às novas realidades climáticas pode levar a perdas financeiras substanciais, especialmente para setores como agricultura, turismo, transportes, florestal com consequências para o setor dos seguros.

A responsabilidade social corporativa é ampliada. As empresas devem criar ambientes de trabalho que promovam o bem-estar dos colaboradores. Isso inclui a implementação de políticas de saúde mental, programas de apoio psicológico e iniciativas que promovam a inclusão e diversidade. Ignorar essas questões pode resultar numa alta rotatividade de funcionários, danos à reputação da marca e perdas de produtividade. Com o envelhecimento da população tão presente em Portugal, a saída antecipada de colaboradores mais seniores por desgastes psicológico e a elevada rotatividade dos colaboradores mais jovens, leva à perda de conhecimento adquirido e perdas de produtividade.

Tendo em conta estes desafios, existe uma lógica puramente financeira e económica em integrar as práticas ESG (ambientais, sociais e de governança) nas empresas, pois estas podem não apenas mitigar riscos, como reduzir custos operacionais, melhorar a resiliência da empresa levando assim ao aumento da produtividade, ou, pelo menos à sua não diminuição. Além disso, promover uma cultura corporativa que priorize o bem-estar dos colaboradores pode resultar numa equipa mais envolvida, leal e produtiva. Programas de capacitação focados na saúde mental e no equilíbrio entre vida profissional e pessoal são essenciais para que as empresas consigam ter colaboradores equilibrados e com uma resiliência individual reforçada, num contexto social inconstante, imprevisível, agressivo e tendencialmente beligerante. Só assim se poderá evitar as saídas antecipadas de colaboradores experientes exaustos, as saídas imediatas dos jovens insatisfeitos e se poderá reforçar uma gestão de topo capaz de olhar para além das pressões dos dados trimestrais.

É este o cenário muito plausível que poderemos viver já daqui a 5 aos. É este cenário que, na Europa e EUA, parece ser o que se deseja, tendo em conta a onda de satisfação que existe pelo setor empresarial com a ideia de abrandamento da regulação climática e social sobre as empresas. Mas não sejamos míopes: a regulação existe também, e principalmente, para proteger algumas partes envolvidas no tema. A regulação ESG existe essencialmente para proteger as empresas da sua própria miopia em apenas se preocuparem com questões de curto prazo. Sem uma regulação que obrigue as empresas a pensar além do próximo ano, as empresas ficam vulneráveis aos riscos que, hoje, recusam ver. Este enviesamento cognitivo na cabeça dos gestores, em recusar ver novas realidades que desafiam o status quo, está muito bem estudada na literatura. A regulação ESG veio ajudar os gestores e deixarem de ser míopes e a não serem tão enviesados. Mas parece que a miopia e os enviesamentos estão a ser importados dos EUA e a ganhar força na Europa. A boa notícia é que noutras partes do mundo – Ásia e África – a miopia e enviesamento na sub valorização dos temas da sustentabilidade não está a aumentar, antes pelo contrário. Talvez seja hora de olharmos para o que está a acontecer noutras partes do mundo, e deixarmos de estar todos tão enviesados com a ideia de que a Europa está no centro do mundo, e que a China não se preocupa com os temas EGS.

PhD, CEO da Systemic

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