Haverá vontade para acabar com a corrupção?

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Portugal tem, neste preciso momento, um ex-primeiro-ministro, José Sócrates, a ser julgado por 22 crimes que vão do branqueamento de capitais à fraude fiscal qualificado e culminando na corrupção passiva de titular de cargo político. O processo arrasta-se há mais de uma década, um facto que, só por si, diz quase tanto sobre este tema como as milhares de páginas que atulham o processo Operação Marquês.

Portugal continua a cair no índice de Perceção de Corrupção, um trabalho publicado anualmente pela Transparency Internacional. Em 180 países, estamos na 43ª posição, logo atrás da Costa Rica e do Botswana, naquele que é o pior registo desde que se criou esta listagem. O próximo relatório, que será divulgado no início do próximo ano, não augura quaisquer melhorias.

Neste contexto, são particularmente preocupantes algumas das conclusões do mais recente relatório sobre Portugal do Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO), que ficámos a conhecer esta semana.

O GRECO - que, recorde-se, é o órgão do Conselho da Europa que monitoriza as estratégias anticorrupção - sublinha que não foram adotadas as medidas que constam da nova Estratégia Nacional Anticorrupção e no Plano de Ação para o período 2025-2028. Também não foi aplicado o plano de prevenção de riscos de corrupção para cargos executivos. Estamos a três meses do fim do ano, mas o plano de ação que cobre este ano, o próximo e os dois a seguir ainda não está em execução. A regulamentação do lóbi está num impasse há uma década, sem que haja sequer legislação aprovada nesta matéria, quanto mais fiscalização.

As notícias estão à vista de todos, os índices apontam o problema e até temos grupos de reflexão simpáticos que nos sugerem linhas de ação contra um problema que mina a confiança nas instituições e contribui (decisivamente?) para o crescimento dos movimentos políticos mais extremistas.

Por que razão o Estado e a sociedade portuguesa não conseguem acabar com este problema? É uma questão de vontade? Ou o lastro é já demasiado grande, devido à enraizada cultura dos favores, ao peso das negociatas nas mais de 300 câmaras municipais do país, ao mau funcionamento da justiça portuguesa? Neste ponto, não é demais recordar os tribunais atafulhados em processos pendentes, os mega-processos e as investigações intermináveis ou as prescrições de crimes graças aos muitos buracos de uma legislação exageradamente complexa. Se a perceção de corrupção na sociedade portuguesa é alta, isso também se deve à ausência de punição de quem transgride.

Todas estas questões não são exclusivas a Portugal. Há políticos acusados e mesmo julgados por este tipo de crimes em vários países europeus, nossos vizinhos. E também a sociedade espanhola, francesa ou alemã tem sentido dificuldades para erradicar o fenómeno.

Mas volta às conclusões do relatório do Grupo de Estados contra a Corrupção. Uma delas acima de todas: das 28 recomendações feitas pelo próprio grupo numa ronda de avaliação anterior, Portugal executou parcialmente 18. Nas restantes 10 nem lhes tocou. E nenhuma das 28 medidas foi “implementada satisfatoriamente”. Nem uma. Haverá vontade?

Diretor-Adjunto do Diário de Notícias

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