A habitação tem ocupado o centro do debate político e social em Portugal, e com razão. O problema é real, urgente e transversal: jovens que não conseguem sair da casa dos pais, famílias que não encontram arrendamento a preços comportáveis, cidades que se tornam progressivamente inacessíveis para a classe média portuguesa. A resposta do Governo, inevitável, foi surgindo em fases: primeiro estimulando a procura dos jovens, depois sinalizando a importância da oferta pública e, agora, apontando finalmente para o papel dos privados. No entanto, ainda existem lacunas significativas e desafios que precisam ser enfrentados para que estas medidas tenham impacto duradouro. Entre os pontos positivos, destaca-se a redução da taxa de IVA para a construção e para o arrendamento a preços moderados, medida com potencial para desbloquear projetos que estavam em suspenso e estimular nova oferta. A descida do IRS para 10% sobre rendas acessíveis, que pode mesmo chegar a zero dependendo do desconto em relação à mediana concelhia, constitui outro incentivo relevante, assim como a isenção do adicional ao IMI para habitações arrendadas. Estas medidas aliviam o peso fiscal e podem gerar confiança junto de proprietários e investidores, criando condições para maior dinamismo no mercado habitacional.Mas não se podem ignorar os riscos e as omissões. Não existe um mecanismo que assegure que a descida do IVA se traduza efetivamente em preços finais mais baixos para o consumidor. O limite das rendas até 2.300 euros é discutível e pode não corresponder ao que a maioria das famílias entende como acessível, podendo até impulsionar uma subida das rendas para esse patamar. A penalização da compra por não residentes pode travar alguma especulação, mas também afasta investimento estrangeiro que, quando bem enquadrado, é vital para dinamizar o setor. E, acima de tudo, nenhuma destas medidas resolve o problema estrutural da escassez de oferta adequada e disponível.As barreiras estruturais vão muito além da fiscalidade: licenciamentos morosos, planeamento urbano desatualizado, custos crescentes de construção e falta de mão de obra especializada continuam a limitar a capacidade de resposta do setor. Enquanto não houver uma estratégia nacional de habitação que ataque estes bloqueios de forma coordenada, qualquer medida terá efeitos limitados ou temporários. Esta, do ponto de vista da iad Portugal, é a maior zona cinzenta deste pacote.Do lado do setor privado, a disponibilidade existe. Promotores, investidores e mediadores estão preparados para contribuir para mais e melhor habitação, mas é essencial haver confiança. O que afasta investimento não são apenas os custos, mas também a instabilidade regulatória, a perceção de mudanças constantes ao sabor do ciclo político, as discrepâncias regionais nos procedimentos e uma máquina do Estado muitas vezes refém de burocracias que funcionam como barreiras de poder. Um mercado saudável exige previsibilidade, transparência e regras claras.Veremos se o novo Governo conseguirá avançar com medidas que preencham essas lacunas, garantindo que incentivos fiscais e regulatórios se traduzam efetivamente em maior oferta e em preços mais acessíveis, e não apenas em estímulos superficiais. O verdadeiro teste será a capacidade de criar um pacto entre Estado, autarquias e setor privado, onde todos assumam responsabilidades claras e trabalhem em conjunto para ampliar a oferta, reabilitar com eficácia e proteger os cidadãos mais vulneráveis.O desafio da habitação não se resolve em meses ou em legislaturas. Precisa de uma visão de longo prazo, de 10 a 20 anos, que sobreviva a mudanças de Governo e que seja encarada como prioridade nacional. As medidas agora aprovadas pelo Conselho de Ministros são um passo relevante, mas a caminhada será longa e exigente. O futuro das cidades e a qualidade de vida das famílias portuguesas dependem da coragem política, da coordenação institucional e do compromisso de todos os atores envolvidos.CEO da iad Portugal