Há 50 anos, caiu o "mas" no direito ao voto das mulheres
"Lembro-me do meu pai dizer: ‘Essas mulheres são doidas, agora querem votar para quê? Isto não é normal.’ E a minha avó dizia: ‘Jorge, tornas a dizer isso, eu saio da mesa’” A Teresa, a avó explicava a luta dessas mulheres: “Querem que mulheres como tu tenham outra vida”.
Patrícia Reis relata-nos este episódio da vida de Maria Teresa Horta e da sua avó Camila no livro A Desobediente.
A “outra vida” que hoje temos deve-se à luta, tão antiga mas tão atual, pela participação política das mulheres. Amanhã celebramos um marco desta luta: os 50 anos do efetivo direito ao voto das mulheres em Portugal.
Carolina Beatriz Ângelo surge sempre quando falamos do direito ao voto das mulheres. Foi a primeira mulher a votar em Portugal - mas só porque havia um “buraco” na lei, que indicava que eram eleitores todos os cidadãos portugueses com mais de 21 anos, que soubessem ler e escrever e fossem chefes de família. O legislador certamente nem pensou que uma mulher poderia votar ou preencher estes critérios. Mas Carolina preenchia e por isso exigiu ser incluída no caderno eleitoral e a, 28 de maio de 1911, votou para a Assembleia Nacional Constituinte. Mas logo este “buraco” foi corrigido, passando a ser explícito que os cidadãos eleitores eram do sexo masculino.
Só passados quase 20 anos, já na década de 1930, é que algumas mulheres passaram a poder votar. Sempre com um “mas”: podem votar mas apenas as mulheres com ensino superior ou chefes de família. Pouco depois: podem votar mas apenas as mulheres solteiras, de reconhecida idoneidade moral, com habilitações mínimas, independentes e com dependentes a seu cargo. Ou seja, qualquer mulher perdia o direito ao voto se se casasse. Foi só em 1946 que o voto foi alargado a mulheres casadas - depois de um grande debate sobre pôr em causa a “guarda da paz familiar” - mas (lá está o mas) só se pagassem de contribuição predial mais de 200 escudos quando aos homens apenas era exigido a quantia de 100 escudos.
Foi em 1968 que deixou de haver regras diferentes para o voto de homens e de mulheres, passando a poder votar todos os cidadãos portugueses mas desde que soubessem ler e escrever. Na lei acabou a discriminação sexual mas na prática não: num país com uma taxa de analfabetismo tão alta e tão desigual, este “mas” deixava de fora 20% dos homens e 31% das mulheres.
O direito ao voto universal e sem efetiva discriminação de género só foi alcançado há 50 anos, a 15 de novembro de 1974, com a aprovação do Decreto-Lei que permitiu tantas mulheres votarem pela primeira vez, nas eleições livres de 25 de abril de 1975.
Celebramos este 15 de novembro, homenageando todas as mulheres e feministas e continuamos a luta - porque os “mas” à participação política continuam a existir, como se vê num parlamento em que as mulheres representam apenas um terço dos deputados.