Greve: um direito ou um dado adquirido?

Publicado a

A greve é um direito dos trabalhadores, consagrado na Constituição Portuguesa e no Código do Trabalho, independentemente dos motivos para a mesma. De acordo com o Decreto-Lei nº392/74, define-se greve como a “(...) recusa colectiva e concertada do trabalho tendente à defesa e promoção dos interesses colectivos profissionais dos trabalhadores”. Foi uma importante conquista na defesa dos interesses da população ativa.

Contudo, em Portugal, este direito tem vindo a ser banalizado. As greves são recorrentes, em alturas pessoalmente muito favoráveis como junto aos fins de semana ou feriados, e sem medir as consequências nos outros. Se a greve é um direito importante, o acesso à saúde, à educação, aos transportes, aos tribunais e a outros serviços públicos também o são, e frequentemente são afetados por greves estrategicamente calendarizadas.

Existem perigos na banalização da greve. Quando se torna norma, perde-se o intuito. Já não se questiona o motivo da greve, é mais uma. Por outro lado, cria zanga e revolta por parte dos outros, invés de os despertar para o problema que se pretende resolver e criar empatia por aquele setor ou profissão. Uma greve generalizada no país deveria de servir para nos colocar a todos a refletir sobre aquele problema e a pressionar para a sua resolução.

O direito à greve é muito importante, inquestionável! É uma forma de dar voz aos trabalhadores, de corrigir injustiças e de melhorar as condições laborais. No entanto, deve ser aplicado com propósito e moderação. É fundamental que se perceba o que é que está a ser reivindicado. Não pode ser um substituto dos dias de férias nem de descanso semanal, para isso existem outros direitos. Quando é usado para defender interesses próprios é um ato de egoísmo, onde se prejudica deliberadamente outros para obter algum ganho.

Uma questão que se levanta nesta sequência, é o significado que as pessoas atribuem ao seu trabalho. Muitas greves são em setores com impacto imediato na vida das pessoas. Num ano, a quantidade de aulas perdidas, de cirurgias e exames cancelados, de julgamentos adiados, de pessoas que não conseguem ir trabalhar por não terem transporte é gigantesca. Além disso, prejudicam maioritariamente a população mais desfavorecida e tendem a aumentar as desigualdades económicas. Deveria ser uma reflexão, como é que podemos potenciar este sentimento que as pessoas têm de como o seu trabalho tem impacto, que inclusivamente é protetora de saúde do próprio. Talvez diminuísse parte das greves em Portugal.

A greve é e será sempre um direito fundamental e, como todos os outros direitos que foram conquistados, deve ser cuidado e protegido. Quando respeitarmos melhor todos os nossos direitos e deveres ganhamos todos, pessoas, organizações e sociedade.

* Psicóloga Organizacional

Diário de Notícias
www.dn.pt