A ativista sueca Greta Thunberg, conhecida pela sua intervenção no debate ambiental, declarou recentemente que foi vítima de maus-tratos durante a sua detenção em Israel. Entre as agruras relatadas, destacou-se o facto de ter permanecido sentada longos períodos em superfícies duras. Este episódio levou-me a refletir sobre como, no nosso tempo, a ideia de sacrifício e de heroísmo de algumas elites pode, por vezes, ser entendida de forma muito distinta daquilo que outras pessoas realmente enfrentam. Voltei, por instantes, aos meus tempos de escola primária. As carteiras — chamavam-se assim — eram tudo menos ergonómicas. De madeira maciça, duras como rocha. E a dureza, note-se, não se ficava pelo mobiliário: havia também a régua, igualmente de madeira e aplicada com convicção nas mãos dos mais distraídos. Depois de tantas horas sentado em tais condições, pensei se não teria, em termos comparativos, direito a reclamar o estatuto de resistente. Mas logo percebi que há quem mereça mais, de facto, esse título. Os habitantes de Gaza, por exemplo. Civis palestinianos — homens, mulheres, crianças e idosos — que viram o mundo ruir à sua volta: edifícios que colapsam, famílias desfeitas, a comida a desaparecer, o medo a instalar-se como rotina. Gente que já não tem saúde, nem educação, nem segurança, e que, ainda assim, encontra forças para sobreviver. Para elas, suportar uma superfície dura não seria o maior dos problemas, se isso significasse ter garantias básicas de proteção e dignidade. A vitimização dos “heróis instantâneos” da flotilha fazia, afinal, parte do guião. Ser detido era essencial para completar o enredo. O verdadeiro fracasso teria sido chegarem a Gaza sem oposição. Imaginem o anticlímax: depois de semanas a navegar pelo Mediterrâneo, alimentando notícias numa base diária, desembarcarem a carga e regressarem sem mais. O peso político da ação não estaria no desembarque pacífico, mas no choque com as autoridades israelitas. Assim, o episódio terá servido para alimentar histórias pessoais de sacrifício e resistência, narrativas que cada participante levará consigo e utilizará nas suas narrativas. Sucede que é bem mais fácil contar histórias a partir do conforto de qualquer cidade europeia do que viver o real e dramático quotidiano de Gaza. Em Portugal, houve até quem sublinhasse a importância histórica da presença de Mariana Mortágua nessa iniciativa. A afirmação pode soar exagerada, sobretudo quando comparada ao sofrimento real de tantos civis no terreno. Professor catedrático