Gouveia e Melo e os partidos políticos

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Os partidos políticos são os pilares das democracias. Sem eles caíamos nos regimes da solidão unipessoal, que, habitualmente, descambam em oligarquias onde não existe liberdade de imprensa, o poder judicial está submetido ao poder político, onde os opositores à ordem estabelecida acabam em prisões ou pura e simplesmente são assinados. Num sistema democrático não podemos, nem devemos hostilizar os partidos. O que não quer dizer que os não possamos criticar pela sua prática

Quando votamos num partido político, seja ele qual for, fazêmo-lo na expectativa de que ele contribua para o engrandecimento do país onde se insere, e para que a sua acção corresponda às expectativas dos que lhe entregaram o seu voto. Nas eleições quem vota num partido não o faz para que o deputado X ou Y, deste ou daquele partido, use o seu poder para enriquecer. Não votamos para que o líder de um qualquer partido use a vitória obtida como patamar de ascensão pessoal para um outro cargo, vire as costas ao seu compromisso com o eleitorado e parta para uma outra realidade política, mais bem paga e onde abundam luxuosas mordomias.

Infelizmente em Portugal não temos grande dificuldade em encontrar casos de abandono do país rumo a paragens mais aliciantes, deixando o país ao “Deus dará”. Querem nomes? António Guterres, Durão Barroso, Vítor Gaspar, António Vitorino, António Costa, and so on...

Pois bem. Há dois modos de estar nos partidos. Ou se está lá numa perspectiva carreirista, num exercício de exclusivo egoísmo pessoal ou, em alternativa, se integra um partido para servir o país, pensar o seu futuro e dar um contributo para que as próximas gerações herdem um país melhor do que aquele que os nossos pais nos deixaram. Esta é, sem dúvida, a finalidade nobre de um partido político, num sistema democrático.

Os actuais candidatos a Presidentes da República, António José Seguro, Marques Mendes, Cotrim de Figueiredo, António Filipe, André Ventura, Catarina Martins e Jorge Pinto estão ligados a partidos políticos. Não há aqui qualquer crítica negativa, nem nenhum deles perde qualidades pela sua inserção em partidos políticos .

Mas o facto de estarem a candidatar-se à Presidência da República implica terem de distanciar-se da realidade partidária a que pertenceram durante anos, numa tentativa de surgirem aos olhos da opinião pública numa postura independente, acepticamente distantes, opção muito conveniente para o cargo a que estão a candidatar-se. Mas, e há sempre um mas, a opinião pública não esquece o que de bem ou mal marcou esses mesmos candidatos durante o seu exercício partidário.

Gouveia e Melo não tem esse problema. Não há qualquer partido a colar-se-lhe à pele. O homem é ele e a sua substância. Simples, sem os trejeitos e os vícios partidários, o seu discurso é sobre a realidade do país. Não tem antagonismos ideológicos com outras forças partidárias porque a sua ideologia é um desafio que ele colocou a si próprio, enquanto cidadão, para contribuir para o desenvolvimento do país. As interrogações políticas que enumera são as que faz qualquer português comum. Porque é que após 51 anos e muitos milhares de milhões de euros continuamos na cauda da Europa? Pode ainda fazer-se alguma coisa para mudar isso com o PRR a acabar em 2026? Porque não temos uma economia competitiva? Porque é que os nossos jovens licenciados não ficam por cá e, quando ficam, vão para caixas de supermercado? E não se pode fazer nada para mudar isso? Somos, assim, tão diferentes dos outros? Porque é que há décadas não conseguimos reformar a justiça? Se os outros países da União Europeia conseguem porque não o fazemos nós? Onde está dificuldade?

Gouveia e Melo, muito para além das áridas questões ideológicas, situa o seu discurso nestas interrogações simples, mas urgentes para mudar Portugal.

Como homem de missão que é, como militar habituado a traçar um rumo e seguir com rigor esse rumo, Gouveia e Melo dá a ideia de desvalorizar a habitual verborreia partidária para rumar ao essencial. Não dá importância à aridez do discurso partidário. Ao ouvi-lo ficamos com a ideia simples de que toda a sua preocupação vai estar centrada nos estrangulamentos que o país conhece há 51 anos. Na Presidência, se lá chegar, a sua palavra e a sua magistratura de influência vai focar-se no essencial para reformar este país. Vai tentar fazer o que não foi feito nos últimos 51 anos por quem, justamente, tinha essa missão patriótica: os partidos políticos.

Jornalista

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