As férias de verão evocam, para muitos, imagens de descanso, alegria e tempo em família. Mas, para milhares de famílias em Portugal, o fim do ano letivo traz também o início de um desafio recorrente: o que fazer com os filhos durante três meses?Não se trata apenas de “ter onde os deixar”, mas sobretudo de garantir que esse longo período contribua de forma positiva para o seu desenvolvimento.Para crianças e adolescentes, o verão deveria ser um tempo de descobertas — de novos lugares, interesses e amizades. No entanto, esse ideal está longe da realidade de muitos. A socialização na rua, típica de outras gerações, tem vindo a desaparecer. A televisão, que nas décadas passadas era a companhia de verão dos jovens, foi substituída pelo telemóvel. Tem sido ampla a discussão sobre o seu uso nas escolas, mas os perigos para os quais tantos profissionais e investigadores alertam são ainda maiores em casa. Durante as férias, este uso intensifica-se, frequentemente sem qualquer interrupção. Quantas crianças passaram estes três meses com o ecrã como principal — ou única — companhia?Este problema é particularmente sentido entre famílias com menos recursos e com empregos precários. Segundo dados recentes, cerca de 40% das famílias portuguesas não têm condições para ir de férias. Muitas também não conseguem ajustar o período de férias laborais ao calendário escolar dos filhos. A situação agrava-se para famílias imigrantes que chegaram recentemente a Portugal e que não contam com redes de apoio, como os avós, que tantas vezes são o suporte das famílias durante este período. Para crianças que estão ainda a aprender português, três meses de isolamento podem representar um retrocesso significativo na aprendizagem da língua.Mas não teria de ser assim. Por exemplo, em Lisboa, as 24 Juntas de Freguesia organizam atividades durante as férias de verão. E na restante Área Metropolitana, muitos municípios promovem campos de férias com propostas educativas, culturais e desportivas. A pergunta impõe-se: porque é que tantas crianças continuam fora destes programas?Há várias respostas. Desde logo, porque o número de vagas é reduzido. Além disso, em muitos casos, os prazos de inscrição encerram semanas antes do início das férias. Com divulgação reduzida, as famílias que mais beneficiariam destas oportunidades - as que não podem ir de férias - são precisamente aquelas a quem a informação não chega ou chega tarde demais.É por isso essencial repensar o alcance e a organização destas iniciativas. Faz todo o sentido que as Juntas de Freguesia, enquanto órgãos mais próximos da comunidade, continuem a ser as entidades promotoras destas atividades. Podem fazê-lo em articulação com associações de pais, de moradores ou coletividades locais. Efetivamente, são precisos recursos financeiros para tal. Mas não deveria ser esta uma das nossas grandes prioridades enquanto sociedade? Na falta de outros espaços, as escolas poderiam abrir portas durante o verão para acolher atividades de educação não formal, ou servir como ponto de partida e chegada para visitas à praia, ao museu ou ao lar de idosos da comunidade. O relatório da UNESCO sobre os Futuros da Educação (2021) fala-nos da possibilidade – e urgência - de uma educação que aconteça em diferentes tempos e espaços, sublinhando a necessidade de diversificar os ambientes de aprendizagem e quem deles participa. As férias escolares podem ser precisamente o momento para explorar novas formas de educar. Estas atividades podem, por exemplo, ser orientadas para pensar e resolver problemas da própria comunidade, nomeadamente sociais e ambientais. Podem também ser um momento para colocar em contacto diversas gerações, possibilitando a troca de conhecimentos. O poder local pode ter um papel determinante para potenciar estas oportunidades. Algumas juntas de freguesia promovem já atividades durante as férias de verão nas CAF (Componente de Apoio à Família), mas é urgente ampliar esta resposta. Para além de aumentar o número de vagas, é fundamental garantir transparência, divulgação atempada e participação da comunidade educativa na conceção das atividades a serem desenvolvidas. Nestas eleições autárquicas devemos ter isto em mente, e exigir que isto seja uma prioridade. Para que, no próximo verão, sejam cada vez menos as crianças que estão coladas ao telemóvel e cada vez mais as que têm os pés na areia ou as mãos na terra.