Fascínio papal
Em pleno século XXI, em que ficamos em pânico se saímos de casa sem o telemóvel e um simples apagão de algumas horas (e durante o dia) mergulha um país (ou dois) no caos porque já mal sabemos viver sem eletricidade e ainda menos sem internet, o que explica o fascínio pela figura do papa? Afinal haverá pouco de mais anacrónico do que um homem sempre de branco, rodeado por clérigos de longas batinas pretas ou púrpuras e guardado por suíços de uniforme amarelo, azul e vermelho, envergando capacetes com um penacho vermelho?
Quando no Vaticano os cardeais acabam de escolher Robert Francis Prevost como papa Leão XIV, o sucessor de Francisco, parece irresistível a curiosidade com tudo o que diz respeito aos ritos milenares que conduziram a este desfecho. Do funeral ao Conclave, à eleição, católicos, claro, mas muitos, muitíssimos, não-católicos parecem presos às imagens das televisões onde homens de vermelho e branco desfilam em cenários grandiosos, da Basílica de São Pedro à Capela Sistina, e onde especialistas - uns mais preparados, outros feitos à pressão - se sucedem. Isto tudo , num litania cheia de palavras em latim: sede vacante, cum clavis, extra omnes, eligo in summum pontificem, até ao habemus papam final, que anuncia que os cardeais chegaram ao acordo sobre o nome do novo chefe da Igreja Católica, o homem que vai liderar os 1400 milhões de católicos, seguindo - com maior ou menor liberdade de interpretação - uma doutrina com mais de dois mil anos.
E este fascínio pouco terá a ver com a pessoa escolhida para vestir a batina branca. É certo que a personalidade do papa lhe pode dar mais ou menos popularidade. Olhando só para os últimos três pontífices, aqueles que conheci na minha vida, parece inegável que João Paulo II e Francisco angariavam mais simpatia pessoal do que Bento XVI, mas não é de simpatia de que aqui falo. É de fascínio. E se o polaco Karol Wojtyla - com os seus 27 anos de pontificado, iniciado em 1978 - ficou para a História como o papa que teve um papel fundamental no fim do comunismo no seu país e em toda a Europa, e Jorge Bergoglio foi o “papa do fim do mundo”, dando à Igreja Católica um rosto mais humanista, centrando o seu pontificado não só na promoção do diálogo e da paz, mas também em questões como a proteção do ambiente e o apoio aos mais vulneráveis, o alemão Joseph Ratzinger, visto como uma figura mais austera, não foi menos fascinante. Intelectual de créditos reconhecidos, o papa “teólogo”, como muitos lhe chamavam não só impressionava por essa bagagem cultural, como se tornou uma espécie de ícone da moda, com os seus sapatos vermelhos e o amor pelos chapéus que foi buscar ao guarda-roupa papal: do camauro ao saturno.
O novo papa, o primeiro norte-americano a sentar-se no trono de São Pedro, tem muitos desafios pela frente, mas uma coisa é certa: continuará a concentrar nele todo o fascínio dos seus 266 antecessores.
Editora-executiva do Diário de Notícias