“Fascista!”
"A palavra Fascismo deixou de ter qualquer significado para além de coisa não desejável”, escreveu George Orwell em 1946, talvez sem imaginar a razão que teria em 2024, com Kamala Harris a chamar “fascista” a Donald Trump e os noticiaristas portugueses a falarem em “perigo fascista” na América e em Portugal.
É que a Esquerda, que pode estar a perder a batalha das ideias mas que ainda está a ganhar a das palavras, conseguiu que “fascista” passasse a ser usado para tudo o que é indesejável e por isso insultável. Isto sem que o adjectivo “comunista”, sempre ligado ao generoso e utópico “sonho de Marx”, surja beliscado pelas vítimas que os comunistas fizeram em muito maior número e durante muito mais tempo.
O fascismo foi um regime concreto em Itália que teve imitadores na Europa como nacionalismo de partido único economicamente dirigista e socializante. Em Portugal o nacional-sindicalismo de Rolão Preto foi a força política mais próxima do fascismo; força essa que Salazar usou e neutralizou.
Fundado em 1919 pelo ex-socialista radical Benito Mussolini, o fascismo começou por afirmar-se nacionalista, revolucionário, republicano, anticlerical, antiplutocrático e partidário do sufrágio universal, incluindo o voto das mulheres. Reunia, assim, uma convergência de ideias e valores difíceis de arrumar na clássica classificação Esquerda/Direita. Depois, com a acção de rua dos seus “esquadristas” no chamado Bienio Rosso contra a ocupação de fábricas e propriedades rurais pela esquerda socialista e anarquista, o fascismo foi tomando posições mais conservadoras, senão reaccionárias.
Em 1922, com a Marcha sobre Roma e os muitos milhares de camisas negras a convergirem para a capital, o rei Vitor Manuel III chamou Mussolini ao governo. Os fascistas governaram em coligação com os nacionalistas e os liberais até ao Verão de 1924, quando o Caso Matteotti os levou à ruptura. A partir de Janeiro de 1925, Mussolini instituía um Estado autoritário, num pacto de poder negociado com as forças conservadoras que durou até ao Verão de 1943 e que, até à guerra da Etiópia, modernizou a Itália e teve largo apoio popular.
Mussolini manteve a distância em relação ao totalitarismo etnocêntrico de Hitler, mas a conquista da Etiópia isolou-o dos anglo-franceses e atirou-o para os braços do Führer, com quem esteve aliado na Guerra de Espanha. Depois, ao entrar na Grande Guerra em aliança com Berlim, selou o seu destino. Caiu em 1943 por votação do Grande Conselho e já sob tutela de Hitler fez a República do Norte. Acabou fuzilado pelos partigianni comunistas e pendurado pelos pés na praça pública, ao lado da amante, em Abril de 1945.
Primeiro revolucionário e reformista depois pactuante com as forças conservadoras, o fascismo foi um fenómeno de reacção ao bolchevismo e o regime anti-democrático e totalitário que instituiu foi mais pactuante e menos repressivo, mortífero e duradouro que os seus congéneres à esquerda.
Porém, ao contrário da Esquerda que surge sempre lavada de passado e de olhos postos num qualquer “futuro libertário”, parece que a Direita, quase sempre “Extrema-direita”, está condenada a responder eternamente não só pelo regime fascista, mas também pelo holocausto nazi, pela escravatura, enfim, por todos os deploráveis pecados da humanidade branca e patriarcal. Por isso a Direita será sempre “fascista” – mas o adjectivo está tão esvaziado e banalizado como insulto que até aqueles a quem a Esquerda chama “fascistas” lho devolvem como insulto.