Nos últimos tempos tem-se falado muito de Serviço Militar Obrigatório (SMO). Muito e de modo bastante ligeiro. Talvez valha a pena abordar o assunto de uma forma mais fundamentada..A questão voltou para a atualidade por duas razões principais: a insegurança que de um modo geral se sente hoje na Europa e a grave crise de efetivos das nossas Forças Armadas (FA)..Uma primeira constatação é que a questão do Serviço Militar Obrigatório tem uma inescusável especificidade nacional. Isto é, coloca-se de modo diferente em cada sociedade. É assim porque ela comporta dimensões políticas, psicológicas, económicas, sociais culturais e militares que são sempre próprias de cada país. Nada obsta, antes pelo contrário, que se estudem modelos estrangeiros e que sobre eles se reflita. Mas tudo impede que sem crítica e adequação sejam adotados em Portugal. Para ser elucidativo, para o Bem e para o Mal os portugueses não são austríacos, nem suecos, nem suíços. Nem no plano sociológico, nem no plano cultural..A questão que debatemos é pois eminentemente nacional e, porque tem todas as dimensões que acima se referem, não é uma questão militar..A experiência do passado recente conta para a ponderação que se faça, e de que deve estar arredado todo o “achismo” que tantas vezes pomos nas coisas que exigem trabalho sério. Vale a pena recordar que o SMO terminou em Portugal em novembro de 2004 e que foi muito bem-sucedido o processo que, nessa época, levou à completa profissionalização militar, traduzida por um modelo assente em profissionais, contratados e voluntários. Desse processo podem retirar-se algumas lições, ainda hoje úteis..Em primeiro lugar o facto de que, desde os Anos 80, o SMO estava em Portugal completamente subvertido com a adoção de um serviço de apenas quatro meses, que apesar de algumas vozes militares que então incompreensivelmente se ouviram caucionando tal modalidade, resultou de uma medida política de irresponsável cedência aos apelos de algumas “juventudes” partidárias, designadamente as ligadas aos maiores partidos nacionais..Durante muitos anos esse pseudo-serviço militar interrompeu a vida de muitos jovens, não garantiu às Forças Armadas nenhum militar operacionalmente apto e custou ao país muito dinheiro. Um dinheiro inteiramente deitado à rua..Depois atente-se que à data de 2004 estava a ser incorporado nas FA apenas cerca de um terço do contingente masculino disponível. Esse terço era, ainda por cima, coincidente com os estratos económica e socialmente mais débeis. Por outro lado as mulheres continuavam completamente excluídas, apesar do preceito constitucional que estipula que a Defesa da Pátria é um dever e um direito de todos os cidadãos. Ou seja, o SMO que ainda existia em 2004 era inútil, socialmente injusto, discriminatório e esbanjava sem propósito a Fazenda Nacional..Uma primeira conclusão é que na época atual um novo SMO teria de acomodar homens e mulheres e produzir um produto militarmente utilizável, o que implicaria uma duração que, mesmo sem qualquer estudo, se pode antever que não poderá ser inferior a um ano. Ou mesmo mais, face à atual sofisticação dos equipamentos de terra, mar e ar. Mesmo compreendendo que em vários casos essa mesma sofisticação convida a substituir Praças por Sargentos..Acomodar homens e mulheres, significa todos os homens e todas as mulheres. O que excede a necessidade militar, tem custos porventura incomportáveis, além de que as infraestruturas de treino e alojamento que seriam necessárias também não estão disponíveis. Nem em quantidade, nem em qualidade compatível com os normais padrões de habitabilidade do nosso tempo..Por outro lado, vivia-se na primeira década desse século, um período de muitas Operações de Resposta a Crises, um pouco sucedâneas das Operações de Paz das Nações Unidas. E, por isso, Portugal projectou meios militares para Angola, Moçambique, Timor-Leste, Bósnia, Kosovo, Líbano, Lituânia, Golfo de Adem, Afeganistão, República Centro-Africana, etc.. Este tipo de emprego do instrumento militar faz levantar a dúvida sobre a legitimidade de colocar militares conscritos em risco de vida num qualquer desses teatros..É uma questão que não se coloca relativamente ao Território Nacional, mas que se impõe nestas diferentes situações. E não se pense que deixou e deixarão de existir necessidades de projetar forças militares portuguesas para fazer face a essas situações de crise no quadro da ONU, da NATO ou da UE. Aí está mais um limite a um hipotético novo SMO. É legítimo que um conscrito se confronte com o risco de morte na defesa do solo nacional. Mas é muito improvável defender com sucesso idêntica legitimidade no caso das intervenções à distância em operações de resposta a crises conduzidas em ambiente multinacional..É muito referida, como vantagem potencial, a ideia de que o retorno do SMO permitiria uma valorização em termos de cidadania. Não parece ser tese muito questionável. Mas atente-se que a formação para a cidadania compete à Família e à Escola e não às Forças Armadas. Por outro lado, não faz sentido pensar num serviço de cidadania, presumivelmente para todos os cidadãos de ambos sexos, como sede da resolução do problema de efetivos das FA. Continuariam a estar presentes as dificuldades e limitações antes referidas..Não parece de todo ajustado cometer às FA a iniciativa e a responsabilidade por esse eventual serviço de cidadania que, a existir, deveria ser orientado para múltiplas finalidades (colaboração em instituições sociais, patrulhamento e vigilância florestal, etc), não se excluindo que o serviço nas fileiras possa ser uma dessas finalidades, em condições a definir. Isto é, não choca que as FA possam ser “clientes”, mas só isso, de um tal hipotético serviço de cidadania..Não parece assim que retomar o SMO em Portugal seja hoje uma opção vantajosa ou possível..Mas a inultrapassável e urgente realidade é que as FA carecem de efetivos. O modelo do Regime de Contrato vai continuar a prevalecer. Mas para que assim seja, é obrigatório analisar por que é que, tendo antes funcionado bem, não está hoje a gerar soluções satisfatórias. E talvez se conclua que não foram feitas atualizações lógicas e indispensáveis e que não foram cumpridas muitas promessas, algumas com tradução legal. Isto é, não é razoável concluir negativamente acerca de um modelo que na realidade não foi integral e oportunamente posto a funcionar..Um aspeto que talvez não seja de somenos é deixar de falar em recrutamento e passar a falar (e a pensar) em obtenção de recursos humanos. Realmente é disso que se trata. Não de recrutar, que tem uma conotação com uma dimensão de obrigatoriedade. Mas sim de competir no mercado de trabalho para obter os recursos humanos necessários..Isso é algo que não dispensa uma atitude aguerrida e constante junto da potencial procura. Uma atitude interessada e empenhada..A adoção séria dessa perspetiva, forçará a mudança em muitas atitudes do lado da oferta. Desde logo estipulando remunerações que voltem a ser realmente competitivas. Mas há outras coisas. A primeira é falar e praticar a verdade em relação a todos os incentivos. Os Governos não podem deixar nas gavetas ou demorar eternidades a tratar coisas que constem de legislação e que possam ter funcionado como atrativos..O melhor promotor do regime de contrato é o contratado que se se sente bem e que sente honradas todas as coisas que lhe foram ditas. O maior detrator do regime de contrato é o contratado que se sente enganado..Mas este texto é sobre o Serviço Militar Obrigatório…