Fado, futebol, Fátima e fogos

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Numa era de memórias de (cada vez mais) curto prazo, já pouca gente se lembrará das chuvas de março e de como o país celebrava então o fim da seca em todo o território. Já nessa altura, no entanto, alguns mais cautos especialistas, conhecedores do quão apegado é o país a velhos hábitos e tradições, avisavam para o que então parecia ainda distante na agenda mediática: o risco acrescido de grandes incêndios neste verão.

Na verdade, não é qualquer novidade que invernos e início de primavera bastante chuvosos podem representar perigo acrescido para o combate aos incêndios no verão seguinte, devido ao crescimento acelerado da vegetação que serve de combustível aos fogos, sobretudo se os meses seguintes voltarem a ter dias extremamente quentes e secos, como sucede com cada vez mais frequência. Mas se o comum dos mortais ainda pode desculpar-se com a memória de curto prazo destes tempos, ao poder político exige-se que não se distraia no scroll down dos reels mediáticos mais populistas.

A verdade é que não foi por falta de aviso que se deixou o verão descambar em mais um sufocante palco de chamas e labaredas que engloba populações aflitas, bombeiros exaustos, autarcas desesperados, meios disfuncionais e, mais uma vez, vítimas mortais a lamentar.

“Há condições para haver incêndios mais intensos devido à acumulação de combustível”, alertava, por exemplo, em maio, o segundo comandante sub-regional de Emergência e Proteção Civil das Beiras e Serra da Estrela, João Rodrigues, aquando da apresentação, na Guarda, do Dispositivo Especial de Combate aos Incêndios, lembrando que o aumento da biomassa não tinha sido devidamente acompanhado “pela prevenção e o fogo controlado”.

Nada disto foi segredo, nada disto foi imprevisível. O problema não está, de resto, na falta de estudos, nem de diagnósticos, mas na incapacidade política de transformar conhecimento em ação - quantas das conclusões e recomendações dos relatórios técnicos sobre os trágicos incêndios de Pedrógão, em 2017, tiveram consequência, por exemplo, na alteração da matriz florestal e do ordenamento florestal do país?

Continuamos a debater em círculo os mesmos temas, da paisagem dominada por espécies altamente inflamáveis ao abandono do interior, dos bombeiros mal pagos e mal equipados à falta de limpeza efetiva da floresta, dos meios aéreos que não chegam ou falham quando são precisos ao agravamento de penas para incendiários…

É essa incapacidade reiterada para enfrentar vícios e lóbis instalados que está na raiz desta repetição trágica. Um falhanço político sistémico que continua a deixar a floresta entregue aos maus-tratos, o território ao abandono e as populações à sua sorte.

Enquanto assim for, continuaremos a acrescentar os fogos ao país dos três F’s, Portugal continuará a arder mais do que devia e nenhum governante terá como garantidas umas férias tranquilas na praia.

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