Evolução tecnológica não traz só benefícios

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Não raro, ouve-se o argumento de que a atual revolução tecnológica – a da inteligência artificial (AI) – vai promover benefícios similares a significativas transformações tecnológicas do passado, como a [re-]invenção da prensa móvel no Ocidente ou a Revolução Industrial.

A [re-]invenção, em 1450, da prensa móvel no Ocidente (por Gutenberg) e a sua progressiva popularização, permitiu a edição em massa de livros, tornando-os mais acessíveis e baratos, facilitando a disseminação do conhecimento e a difusão de ideias por toda a Europa. Dentre os livros impressos, contam-se a Bíblia, obras de autores clássicos como Aristóteles, Platão e Cícero, as 95 Teses de Lutero, livros de medicina e ciência como De Humani Corporis Fabrica de Andreas Vesalius, mas também, e sobretudo, obras literárias em línguas vernáculas, como O Decameron de G. Boccaccio e A Divina Comédia de Dante Alighieri. Significativo sucesso editorial (30 edições impressas entre os séculos XV e XVII) teve o Malleus Maleficarum (conhecido em português como O Martelo das Feiticeiras), de Heinrich Kramer e Jacob Sprenger, publicado em 1487 na cidade alemã de Speyer, um manual inquisitorial que relata as propriedades dos “demónios” e a sua ligação com a bruxaria, como lidar com tais entidades, como proceder aos julgamentos – com amplo repertório de torturas – e como cumprir as sentenças (diversas formas de morte das “bruxas”). Sem a facilidade de impressão e subsequente disseminação desta maléfica obra, dezenas de milhar de mulheres pobres e marginalizadas teriam sido poupadas a vis perseguições, torturas e assassinatos.

Também no que tange à Revolução Industrial, apesar dos evidentes benefícios quando se olha para o período atual, não é menos vero que, no século XIX, a transformação tecnológica introduzida provocou significativos efeitos sociais negativos: (i) grande desigualdade social; (ii) condições de trabalho precárias; (iii) exploração de trabalho infantil; (iv) urbanização desordenada; (v) poluição ambiental; (vi) desemprego decorrente da automação e mecanização; (vii) aumento de doenças devido às condições de trabalho e vida precárias.

Estamos na fase inicial da revolução de AI e já AIs amibas – como os algoritmos das redes sociais programados para promover o engajamento de clientes – provocam danos significativos cavalgando o medo, o ódio e a intolerância. Há megaempresas investindo biliões numa acelerada evolução tecnológica para AIs superinteligentes, que nos vendem amanhãs esplendorosos e progresso inimaginável. Os potenciais efeitos negativos desta revolução de AI praticamente não são discutidos, num pano de fundo histórico em que as principais fontes de informação – as redes sociais – são controladas por essas megaempresas. Mas é importante, e urgente, fazer essa discussão.

Consultor financeiro e business developer www.linkedin.com/in/jorgecostaoliveira

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