Se havia algo que distinguia a Iniciativa Liberal dos demais novos partidos na cena política portuguesa -- Chega, PAN, Livre -- era a relativa estabilidade da sua vida interna após a eleição de João Cotrim Figueiredo. Sem congressos extraordinários, ameaças de demissão ou renúncias de mandato, a IL conseguiu credibilizar-se na oposição de forma invejável entre os outros estreantes. Domingo, ao abandonar a liderança do partido antes do tempo devido, Cotrim Figueiredo pôs termo a essa excecionalidade..A sua declaração de apoio ao deputado Rui Rocha, horas mais tarde, revelou uma tentativa de controlo da sucessão pouco abonatória de um partido liberal. Rocha, provavelmente dono do maior sentido de humor neste parlamento, é um ilustre desconhecido, à semelhança do que era Cotrim em 2019. É verdade que a IL insistiu sempre na primazia das ideias face às figuras -- e o anonimato dos candidatos a Belém e Lisboa confirmou-o --, mas a gestão desse equilíbrio no tempo tem-se provado imprudente..Já em 2019, quando elegeram o seu primeiro deputado, a saída repentina de Carlos Guimarães Pinto foi compreensível por um lado -- era líder do partido mas não entrara na Assembleia -- e problemática por outro. Não só fora o principal dinamizador da IL, de start-up política para movimento social, como o rosto e a voz de uma comunicação tremendamente eficaz. Guimarães Pinto viu-se na peculiar situação de ter contribuído para o sucesso do homem que convidara para ser seu deputado, e que acabaria por se tornar seu sucessor. Em menos de dois anos, regressaria à política para ser um dos mais notórios -- e menos convencionais -- deputados da oposição..Cotrim Figueiredo foi outra surpresa, ainda que por razões diferentes. Se Guimarães Pinto foi o motor da massificação da IL, Cotrim instituiu-a como partido nacional. Foi com o agora líder demissionário que os liberais contribuíram para o fim do socialismo nos Açores, garantiram uma emancipação política sem coligações e conquistaram eleitorado rural que os seus detratores jamais antecipariam..A IL já morreu várias vezes em várias bocas -- com o não apoio a a Marcelo, com o não apoio a Moedas, etc. -- e a verdade é que conseguiu mais do que sobreviver a cada impasse. Há que reconhecê-lo..Um dos argumentos algo incompreensíveis que Cotrim invoca é a necessidade de popularizar a IL, quando um partido que conseguiu uma bancada de oito membros em menos de cinco anos dificilmente poderia ser mais popular sem cair no populismo. O futuro ex-líder também se queixa de falta de oportunidades nos media, sendo esse um problema que a sua partida obviamente não remendará..Para um partido que conta com uma massa significativa de primeiros votantes, a tendência para a saída de líderes nos períodos pós-eleitorais prejudica a fidelização dos que escolheram a Iniciativa Liberal na primeira vez que foram chamados às urnas. Para alguém que passou as últimas semanas a distanciar-se de Liz Truss, demitir-se na véspera da sua substituição roça o masoquismo..A Iniciativa Liberal poderia acabar amanhã que ninguém sério negaria o seu enorme contributo para a pluralidade e maturidade da democracia portuguesa. O parlamento é mais vivo por contar com a sua disrupção, com as suas qualidades e até com os seus deslizes. O seu escrutínio mais incisivo e a sua intransigência na luta pelos direitos humanos no mundo enriqueceu a área não-socialista e de toda a oposição. Falta-lhe o pragmatismo de uma máquina partidária, típica dos que experienciaram poder. Não teria feito nada disto se já o fosse. Mas não mudará o país sem decidir sê-lo..O seu limbo -- entre ativismo e credibilidade, entre contestação e moderação -- é um desafio único..Escolham quem tiver mãos para ele..Cronista