Este país não é para portugueses 

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Gostaria de partilhar um conjunto de estórias, verdadeiras, quais retalhos de uma vida, enquanto cidadão e profissional. Todas passadas em Portugal, nos anos mais recentes. 

Uma sócia de uma grande firma de consultoria e auditoria, do ramo turco dessa empresa, veio à cidade do Porto dar início ao processo de obtenção de cidadania portuguesa. De origem judia e língua materna grega, ouviu falar desta possibilidade aquando de um projeto pan-europeu, juntando vários escritórios da empresa a que pertence. Zero de ligação familiar a Portugal, zero de afinidade. Nenhuma presunção, sequer, de ser descendente dos judeus sefarditas, portugueses que foram expulsos, há vários séculos, a mando de D. Manuel I. Mas uma cidadania no espaço Schengen é uma coisa que pode dar jeito, nas suas palavras. 

Centro da cidade de Lisboa. Um antigo colega de um banco português com sucursal em Londres. Um reencontro absolutamente inesperado, após mais de duas décadas sem contacto. E a revelação que tinha ‘residência’ oficial em Portugal, tendo para o efeito adquirido um imóvel no programa de vistos ‘gold’. E maravilha das maravilhas, estava quase a acabar os cinco anos que lhe permitiriam obter, para si e para a esposa, a nacionalidade portuguesa. Tinham pensado em adquirir residência fiscal, como pré-requisito para a obtenção da cidadania em Espanha, mas para além de ser mais caro, requeriam, nuestros hermanos, dez anos de residência fiscal. Em Portugal bastava um lustro. Metade do tempo. Ainda não tinha tido tempo para aprender português, mas não achava nada importante para o seu dia-a-dia... 

Um lisboeta, de Campo de Ourique, tinha regressado, após sete anos passados em comissão de serviço numa instituição europeia. Encontrava o bairro muito diferente de quando partira em 2017. E de uma forma que as visitas regulares, mas de pouca duração, não lhe tinha permitido descortinar. E o tema não era tanto o alto vozear e o consumo de bebidas alcoólicas, em plena via pública, até altas horas da madrugada. Ou o facto de os vizinhos serem agora quase todos outros. Afinal as cidades renovam-se. Mas a total incapacidade de lhe darem uma expectativa, uma previsão, de quando voltaria a ter médico de família. Ele que em 2017 notificara o seu Centro de Saúde que iria residir uns anos fora de Portugal. Este parecia ser um problema muito dele, na babel que se tinham tornado as reuniões de condóminos em que participara, onde quase todos pareciam ter chegado desde que partira, era o único que não tinha médico de medicina geral e familiar atribuído. 

Por descuido, quiçá por convicção, de quem nos governou, tornámo-nos num local onde outros vêm obter segurança, usufruir de nossa paisagem e clima e do nosso Serviço Nacional de Saúde. Causando uma alta de preços da habitação e uma congestão de serviços públicos de tal magnitude que temos que dizer: este país não é para portugueses... 

Será que teremos a tenacidade e a capacidade de inverter esta situação? 

Presidente do SNQTB

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