Este país não está para mães

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Ontem falava com uma amiga que me dizia “Sabes, agora olhando para trás, percebo que fui vítima de violência obstétrica. Fui desconsiderada e mal tratada no final da gravidez, numa altura em que estava particularmente vulnerável, e senti-me muito sozinha e desamparada. E só passados muitos anos é que percebi o impacto que isso teve em mim, na maneira como vivi o parto e depois na minha vontade de ter mais bebés. Mas, de facto, na altura não se falava de violência obstétrica e algumas das coisas que me disseram eram consideradas habituais, pelo que, apesar de ter ficado muito perturbada, não me apercebi da grandeza da injustiça e da violência por que passei.”

Esta não é uma história única. Sei por experiência própria: ao longo de muitos anos e de muitas conversas que tive com amigas e colegas, havia sempre alguém que tinha uma má memória para contar. E arrisco-me a dizer que qualquer pessoa conhece sempre alguém que foi vítima de violência obstétrica. São muitos os relatos de pessoas que não tiveram boas experiências na gravidez, no parto ou após, muitas com impacto traumático. No inquérito nacional Experiências de Parto em Portugal, promovido pela Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto, realizado entre 2015 e 2019, três em cada dez mulheres inquiridas afirmaram ter sido vítimas de abuso, desrespeito e discriminação, sendo as intervenções não consentidas as apontadas como a forma mais recorrente dessa violência. E este é um problema que não pode ser desconsiderado, até porque tem consequências enormes na saúde de mães e bebés e no bem-estar das famílias.

Ora, o primeiro passo para resolver um problema é identificar e reconhecer que o problema existe. E foi o que foi feito: o nome do problema é Violência Obstétrica e o reconhecimento que existe e os passos para o combater foram inscritos na lei aprovada no parlamento há uns meses. Agora PSD e CDS querem dar um passo atrás e abolir a violência obstétrica da lei.

Não é a varrer o problema para debaixo do tapete que o vamos resolver. Aliás, o CDS chega, inclusive, a afirmar que a atual lei “assusta as mulheres grávidas e as que ambicionam ser mães”, podendo “representar um obstáculo à natalidade”... (se nas crónicas se usasse emojis, estaria aqui o bonequinho amarelo a revirar os olhos). De facto, há muitas coisas que assustam grávidas e todas as pessoas que querem começar ou alargar a sua família - mas saber que há uma lei que salvaguarda os seus direitos não é uma delas. O que assusta é não saber onde se vai ter o bebé porque as urgências vão estando fechadas. É não saber se se tem dinheiro para ir para o hospital mais próximo - que pode ser muito longe. É não saber se o parto vai ser perto de casa e se a família - muitas vezes um apoio tão importante naqueles primeiros dias - vai conseguir acompanhar e visitar. É não saber se o bebé nascerá numa ambulância. Esses deviam ser assuntos prioritários deste governo e destes partidos que se dizem “amigos das famílias”, mas estão a fazer tudo ao contrário, sem consideração pelas famílias, pelas mulheres e pelas crianças.

Líder parlamentar do Livre

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