Este calor mata

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As ondas de calor que têm afetado Portugal nos últimos anos não são meramente eventos climáticos isolados, refletindo assim as alterações climáticas que estão a ocorrer. Se estas ondas de calor ocorrem quando o planeta está com uma temperatura superior em 1.5ºC face aos níveis pré-industriais, imagine-se o que poderá ocorrer quando o planeta estiver com uma temperatura de +3ºC, coisa que alguns reconhecem vir a acontecer com elevada probabilidade já neste século. A última vez, há milhões de anos, em que o Planeta estava com +4ºC Portugal e Espanha eram desertos.

De acordo com a Direção-Geral da Saúde (DGS), Portugal registou 284 mortes em excesso relacionadas com uma intensa onda de calor que atingiu o país entre o final de junho e o início de julho. A onda de calor que se espera esta semana, vai também trazer uma pressão intensa sobre o sistema de saúde, de infraestruturas, de alimentação... com impacto negativo em vários setores económicos, e, principalmente na vida das pessoas. Em Espanha já se pretende criar regulação para que seja proibido trabalhar-se na rua em horas de extremo calor... e talvez em Portugal se deve pensar rapidamente nisto também.

Estudos mostram que o calor extremo pode ter efeitos devastadores na saúde humana. A exposição prolongada a temperaturas elevadas está relacionada a um aumento na mortalidade, especialmente entre populações vulneráveis, como idosos, crianças e pessoas com condições de saúde pré-existentes. As ondas de calor podem provocar desidratação, exaustão por calor e a morte. O calor pode matar.

Enquanto Portugal mergulha em mais uma semana extraordinariamente quente, a administração Trump argumenta que os gases de efeito estufa não representam perigo para as pessoas, com o objetivo de reverter regulamentações que limitam as emissões de CO2 por parte das empresas. Enquanto Portugal se coloca em aviso e chama os portugueses a terem muito cuidado com o calor, muitas regulações europeias que forçavam as empresas a diminuir os seus impactos ambientais e sociais negativos, são tornadas mais leves e permissivas. O mundo está todo ao contrário. As prioridades trocadas. Mas o calor e a morte que esta traz, vai acabar por dar razão aos cientistas que são ignorados pelos economistas e financeiros... e políticos.

As condições climatéricas de Portugal têm mais que ver com África do que com a Europa tecnocrática dos Países acima da França. Os temas climáticos em Portugal deviam ser reconhecidos como fundamentais para o desenvolvimento da economia e para o déficit futuro do país. O clima deveria estar inserido devidamente na gestão das finanças públicas e em todas as suas componentes: orçamento, despesas, investimento, compras, política fiscal, etc.

Neste contexto, a recente decisão do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) assume um papel fundamental. O tribunal emitiu um parecer que confirma que o direito internacional exige que os estados adotem medidas para prevenir danos significativos provindos de alterações climáticas. Essa decisão é um marco importante, pois estabelece que a inação em relação às mudanças climáticas pode resultar em responsabilidade legal. Os estados têm a obrigação de proteger o meio ambiente, não apenas em benefício das gerações atuais, mas também das futuras. Isso implica que as nações devem implementar políticas eficazes para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e promover práticas sustentáveis que contribuam para a resiliência climática. O TIJ afirma também que um Estado pode ser considerado responsável por não tomar as medidas regulamentares e legislativas necessárias para limitar a quantidade de emissões de CO2 por agentes privados sob a sua jurisdição.

Assim, quando os Estados são inativos na prevenção de danos significativos climáticos, como fogos, acesso a cuidados médicos, incapacidade dos mais vulneráveis em se proteger, entre outros, existe agora o enquadramento legal para que estes possam ser responsabilizados legalmente.

É urgente incluir a Política Climática no centro da Política Pública dos Estados, nomeadamente na política económica, financeira e fiscal. Sem isso, estamos a destruir a economia enfiando a cabeça na areia e ignorando uma evidência.

PhD, CEO da Systemic

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