A invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022, não foi apenas uma agressão militar sem precedentes na Europa do pós-Guerra Fria. Foi também um terramoto estratégico que expôs fragilidades profundas na arquitetura internacional de segurança. Três anos e meio depois, assistimos não apenas à devastação de um conflito prolongado, mas também ao regresso de uma ameaça que muitos julgavam confinada à história: a possibilidade de uma nova corrida às armas nucleares. A primeira lição é clara: as garantias de segurança valem apenas o que vale a capacidade de as fazer cumprir. Em 1994, com o Memorando de Budapeste, a Ucrânia renunciou ao terceiro maior arsenal nuclear do mundo em troca de promessas de integridade territorial e soberania. Essas promessas foram violadas em 2014, com a anexação da Crimeia e esmagadas em 2022. A mensagem enviada ao resto do mundo é perigosa: desistir de armas nucleares pode significar vulnerabilidade. A segunda lição prende-se com a erosão dos mecanismos de controlo de armamentos. Tratados como o INF (sobre mísseis de alcance intermédio) ou o Novo START (sobre redução de ogivas estratégicas) foram abandonados ou estão em risco. E sem instrumentos de verificação e diálogo, o perigo de equívocos ou de escaladas nucleares aumenta exponencialmente. Paralelamente, a invasão da Ucrânia acelerou a erosão do próprio sistema internacional. A ONU revelou limitações estruturais, bloqueada por vetos no Conselho de Segurança. A NATO mostrou coesão, mas enfrenta tensões internas sobre repartição de encargos e prioridades estratégicas. Já a Organização Mundial do Comércio, fragilizada há anos, quase desapareceu do debate, incapaz de impedir que sanções económicas e políticas de blocos substituam regras multilaterais. Esta desarticulação agrava a sensação de que vivemos num mundo mais fragmentado, onde o direito internacional e as instituições que o sustentam perdem peso face ao regresso da lógica da força. A terceira lição é a centralidade da dissuasão nuclear na estratégia russa. Vladimir Putin tem usado, de forma calculada a ameaça atómica para condicionar a resposta ocidental. Essa instrumentalização cria precedentes perigosos: se a chantagem nuclear for eficaz, outros poderão imitá-la.E é precisamente aqui que se revela um risco mais vasto: a corrida nuclear não se limita à Ucrânia ou à Rússia. Países como o Irão poderão acelerar ambições atómicas, arrastando rivais regionais como a Arábia Saudita para uma lógica de proliferação. Na Ásia, aliados dos EUA como a Coreia do Sul ou o Japão debatem, cada vez mais abertamente, se a dissuasão norte-americana continua a ser suficiente. O perigo de uma nova onda de potências nucleares regionais é real e teria consequências imprevisíveis para a estabilidade global. A quarta lição diz respeito à Europa. O continente despertou para a necessidade de reforçar as suas capacidades de defesa, mas enfrenta um dilema: como equilibrar a aposta em armamento convencional com a dependência do guarda-chuva nuclear da NATO? A ideia de uma capacidade nuclear europeia autónoma eficaz começa a surgir no debates estratégicos em diferentes capitais no velho continente. Finalmente, a lição mais urgente: o mundo aproxima-se de uma encruzilhada. Ou investe seriamente na revitalização da diplomacia do desarmamento, com novos mecanismos multilaterais de verificação, diálogo e confiança, ou arrisca-se a regressar a um ambiente de insegurança global, marcado pela proliferação nuclear e pelo risco acrescido de conflito.A invasão da Ucrânia recorda-nos que a paz não pode ser dada como garantida. As armas nucleares, até há pouco vistas como relíquias de um passado sombrio, estão a regressar ao centro da política internacional. Cabe às lideranças mundiais escolherem entre repetir os erros da história ou aprender com eles.Professor Convidado IEP/UCP e NSL/UNL