O Presidente foi fiel a si próprio, institucionalista e com sentido de Estado ao não ativar a bomba atómica. Sabendo que a Oposição ainda tem um longo caminho a percorrer e não querendo ficar para a História como o presidente que abriu a porta a uma coligação de Direita que poderia permitir levar o Chega para o poder, Marcelo foi duro no discurso e não se inibiu de usar todas as palavras que expressam o seu desagrado. Marcelo deu um murro na mesa. .Passada a fúria ou o desalento, Marcelo foi tão gelado quanto a sobremesa que comia na última quarta-feira à noite. Duro e implacável, não poupou nem o ministro nem o governo. Por outras palavras, Marcelo aniquilou ambos. No que diz respeito ao ministro João Galamba, em particular, rotulou-o de incapaz. Afirmou não ser responsável, não ser confiável. .As palavras de Marcelo deixaram clara a razão da discordância com António Costa quando este decidiu manter Galamba no Executivo. Marcelo fala em "divergência de fundo" sobre uma realidade muito mais importante do que as características pessoais: a autoridade, a confiança, a credibilidade. .António Costa sai beliscado de tudo isto e vai custar-lhe caro, no presente e no futuro, pela forma como fica colado ao caso do ministro Galamba, um governante que não é alheio a polémicas. Basta continuar a prestar atenção aos resultados da Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP, qual panela da qual ainda vão sair muitas pipocas e algumas delas esturricadas, para antever novos problemas..Nos últimos dias, António Costa tentou fazer xeque-mate ao Presidente, mas acabou por ser Marcelo a mexer a última peça no tabuleiro. Deste conflito institucional, até esta quinta-feira parecia resultar um primeiro-ministro mais forte, um presidente mais fraco e um ministro acabado. Mas Marcelo tentou virar o jogo. Não se pode concluir que o Presidente saia desta situação reforçado, até porque, por diversas vezes, ameaçou ativar a bomba atómica, mas neste dia mostrou liderança e firmeza. Na opinião do vice-presidente do PSD, Miguel Pinto Luz, e que nesta edição de sexta é entrevistado no DN e na TSF, "Costa vai sentir, pela primeira vez, um Marcelo que não conhecia". Na prática, pode tornar-se um Soares no final do cavaquismo, muito escrutinador, quase um polícia (ainda mais musculado) da legislatura. .A partir daqui uma coisa é certa: a convivência entre os dois palácios mudou. Começa uma nova era nas relações São Bento-Belém. Marcelo não dará mais "colo", como diz a Oposição, ao Executivo. E face a tão grande divergência parece igualmente certo que, mais cedo do que tarde, o país vai ter eleições antecipadas. Como disse Marcelo "há que olhar para os custos objetivos do que aconteceu. Estas coisas não se apagam, não passam, reaparecem". .Diretora do Diário de Notícias