Escritos Romanos

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“Buscas en Roma a Roma, oh peregrino

y en Roma misma a Roma no la hallas:

cadáveres son las que ostentó murallas

y tumba de si próprio el Aventino” (Quevedo)

É difícil uma cidade viver com toda a sua História escancarada: ao contrário de Quevedo, o problema para nós não é olhar as ruínas como cadáveres do grande Império em que enraízam as civilizações ocidentais, é viver aqui numa constante sobreposição de tempos, que nos torna mais atentos à História do que esta época que vivemos nos pede.

Em lugares da Ásia que visitei, as ruínas fazem parte de um tempo que é eterno presente e não memória: para nós, ocidentais, o espetáculo do passado é o espetáculo da Morte, e talvez por isso se possa melhor sentir em Roma como desse passado fomos e ainda somos feitos e devolver à Morte o seu olhar soberano.

O momento histórico que vivemos é feito de aceleração permanente e de negação da Morte e da História. Talvez por isso se possa hoje sentir Roma como um apelo à Razão e à consciência serena do tempo.

Tão modernos, ou ainda mais do que nós, os asiáticos não sentem qualquer angústia ou denegação diante dos testemunhos de uma História, de que se sentem continuadores. Nós, ocidentais, pelo contrário, vivemos de roturas e de grandes recomeços triunfais da História, em que a euforia do novo prevalece e o antigo é visto como um conjunto de despojos caducos.

Talvez Roma, vivendo entre os legados de épocas de magnificência e de luxo, que sucessivos saques e invasões não lograram destruir, possa sentir melhor do que nós essa continuidade das civilizações que significa a nossa comum humanidade. Nas escolas italianas é obrigatório o estudo da História da Arte e isso não os torna piores técnicos. O culto da Beleza, vista demasiadas vezes como uma essência intemporal, faz parte dos currículos e, seja como for, ajuda a uma melhor consciência do tempo.

Discute-se hoje em Itália uma reforma dos tribunais, que é vista pela oposição e pelo próprio poder judicial como uma tentativa de subordinação da Justiça ao poder político. Na Feltrinelli, encontro o livro de Roberto Esposito Il fascismo e noi, que faz, ao que dizem, uma análise filosófica inovadora do fascismo. Eu continuo a ler, através da internet, a vida do nosso país e não saio mentalmente de Portugal, até porque vim a um excelente congresso camoniano, onde senti a atenção que os estudiosos da literatura aqui mostram pela cultura portuguesa e pelos seus expoentes.

Visitei os campos de Roma, onde Sá de Miranda, que não tinha internet, tantas saudades sentia da nossa terra. Visitei palácios, todos revestidos de magníficos frescos, e pergunto-me qual será a razão de tanta grandeza exposta. Nós, do nosso lado, seremos assim tão mais discretos e sisudos?

Lembro-me dos nossos que amaram a Itália e sobre ela escreveram, lembro-me de David Mourão Ferreira, de António Mega Ferreira e de outros e penso que a experiência da Itália, de toda a Itália já agora, aumenta a nossa experiência e dilata a nossa consciência.

“Quero uma rua de Roma

com seus rubros com seus ocres

com essa igreja barroca

essa fonte esse quiosque

aquele pátio na sombra

ao longe a luz de um zimbório

(...)”

(David Mourão Ferreira)

É que David diz o que eu sinto melhor do que eu!

Diplomata e escritor

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