Escolhas difíceis
A possível (agora um pouco menos provável, com o renascimento de Kamala do lado democrata) eleição de Donald Trump em novembro deixará a União Europeia (UE) encravada entre duas grandes ameaças iliberais: Putin na Rússia, Trump nos Estados Unidos.
Essa noção ficou ainda mais agravada com a escolha do senador J.D. Vance - um isolacionista, antiglobalista e hostil à Europa - para vice-presidente de Trump.
Será uma rutura na estabilidade transatlântica e na arquitetura de Segurança Europeia, que já teve o seu primeiro grande rombo a 24 de fevereiro de 2022, com a invasão em larga escala (não-provocada e ilegal) da Rússia à Ucrânia.
Será preciso fazer escolhas difíceis.
O que será de nós, europeus? Teremos a capacidade de reforçar o ramo europeu da NATO sem o pilar americano? Haverá caminho para uma nova relação da UE com o Reino Unido, com o novo Governo de Londres, liderado pelo trabalhista moderado e pragmático Starmer a escolher a reaproximação à Europa em vez de se subjugar à eterna aliança com os EUA, na versão Trump 2.0?
A forma como o novo primeiro-ministro britânico fez questão de dar relevância à reunião da Comunidade Política Europeia que acolheu no Palácio de Blenheim foi um primeiro sinal de que esse caminho, a partir de janeiro de 2025, será mesmo possível.
Se pensarmos bem: teremos alternativa?
Outro sinal animador para o futuro da Europa neste cenário de desafios geopolíticos assustadores foi a reeleição de Ursula Von der Leyen. Os apoios e oposições a essa reeleição foram especialmente reveladores: a ex-ministra da Defesa alemã, durante o consulado de Merkel, teve os votos do seu PPE (centro-direita), mas também dos socialistas/sociais-democratas (centro-esquerda), dos liberais (centro) e até dos verdes (esquerda/centro-esquerda).
Quem se opôs? A extrema-direita, a direita radical e soberanista e também a esquerda e extrema-esquerda comunista. Em comum, nos opositores a Von der Leyen: algum tipo de ligação ou simpatia (mesmo que não assumida) ao Kremlin; reserva, desconfiança ou total oposição à ajuda europeia à Ucrânia, país que pretende entrar na UE está a ser invadido pelo maior país do mundo e uma das maiores potências militares mundiais.
Uma “Europa forte” num período de “grande ansiedade e incerteza”
O otimismo de Von der Leyen é claro. E junta-se ao desafio gigantesco que teremos pela frente: “Os últimos cinco anos mostraram o que podemos fazer juntos. Vamos fazê-lo de novo. Façamos a escolha da força. Façamos a escolha da liderança.”
O segundo mandato de Von der Leyen na Comissão Europeia terá momentos particularmente exigentes. Implicará a criação de um Escudo Europeu da Democracia para combater a interferência e a manipulação estrangeiras. De um Plano Europeu para a Habitação, para analisar “todos os fatores” subjacentes à crise da habitação, e um comissário com “responsabilidades diretas” pela habitação. Forçará a uma revisão do Orçamento da UE, mais adaptada às necessidades de cada Estado-membro.
Na forja está a nomeação de um vice-presidente para coordenar os trabalhos sobre a competitividade e as PME e de um acordo industrial limpo, para mobilizar o investimento e ajudar as indústrias com utilização intensiva de energia a alcançar a neutralidade climática.
Von der Leyen defende uma União Europeia da Poupança e do Investimento para desbloquear capital para as empresas locais em fase de arranque e a criação de um Fundo Europeu de Defesa para investir em capacidades de Defesa de ponta, um Escudo Aéreo Europeu e um novo comissário para a Defesa. Está previsto um aumento para o triplo do número de efetivos da Frontex, a guarda de fronteiras da UE, para atingir 30 mil agentes. Será nomeado um comissário para a Região Mediterrânica e uma nova agenda para desenvolver “parcerias globais” com os países vizinhos. E será feito um estudo à escala da UE para analisar o impacto das redes sociais no bem-estar dos jovens, bem como um roteiro para os direitos das mulheres.
A ex-ministra da Defesa alemã advoga para os próximos cinco anos iniciativas que tiveram início no seu primeiro mandato, como a assinatura de acordos multimilionários com países vizinhos para travar a migração irregular, e outras que tinham sido ensaiadas em intervenções públicas, como o Escudo Europeu da Democracia.
Von der Leyen também apresentou propostas totalmente novas para dissipar as dúvidas de que o seu segundo mandato não teria a mesma ambição do primeiro. “A Europa não pode controlar os ditadores e os demagogos em todo o mundo, mas pode optar por proteger a sua própria democracia. A Europa não pode determinar as eleições em todo o mundo, mas pode optar por investir na Segurança e na Defesa do seu próprio continente”, afirmou a presidente da Comissão. “A Europa não pode impedir a mudança, mas pode optar por abraçá-la, investindo numa nova era de prosperidade e melhorando a nossa qualidade de vida.”
Orbán, ameaça que já nem disfarça
A forma como Von der Leyen identificou a traição de Orbán aos seus parceiros europeus, ao visitar Putin, em Moscovo, e Xi, em Pequim, sem mandato para tal, pode marcar um tom.
A presidente da Comissão acusou o primeiro-ministro húngaro de “fazer o jogo” do presidente russo, Vladimir Putin, na sua “suposta missão de paz”. “A Rússia continua a sua ofensiva no leste da Ucrânia. Aposta numa guerra de desgaste, num próximo inverno ainda mais rigoroso do que o anterior”, apontou a líder alemã.
“Esta chamada ‘missão de paz’ não passou de uma missão de apaziguamento. Apenas dois dias depois, os jatos de Putin apontaram os seus mísseis a um hospital pediátrico e a uma maternidade em Kiev”, lembra Von der Leyen. “Esse ataque não foi um erro. Foi uma mensagem. Uma mensagem arrepiante do Kremlin para todos nós”.
A presidente da Comissão prometeu “dar à Ucrânia tudo o que precisa para resistir e prevalecer” e mostrar “um compromisso firme” com as ambições de Kiev de aderir ao bloco.