Enxofre e fogo sobre Sodoma e Gomorra

Enxofre e fogo sobre Sodoma e Gomorra

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De filho relativamente discreto de Isabel II, ainda que não tão afastado dos holofotes como o irmão Eduardo, o Príncipe André foi durante anos considerado um bonacheirão, que mantinha uma boa relação com a ex-mulher, em prol das filhas, apesar de Sarah Fergunson ter sido apelidada de Fergie Toe-Job. Toe-job é uma expressão usada para práticas fetichistas com os dedos dos pés. A alcunha foi-lhe atribuída após ter sido fotografada numa espreguiçadeira em Saint-Tropez a chupar o dedo grande do pé do milionário texano John Bryan, com as filhas descontraidamente a brincar nas imediações.

No dia 20 de agosto de 1992, a rainha, o marido, os filhos e os netos estavam reunidos no Castelo de Balmoral, na Escócia, num cenário que quem assistiu à série The Crown consegue idealizar. Entre porcelanas, cristais, a baixela de prata, o chá Darjeeling e a taça com cereais Kellogg’s, que levava alperces, ameixas secas ou nozes macadâmia e que a rainha insistia em ter ao pequeno-almoço, circulavam exemplares do tabloide britânico The Mirror , com a duquesa de Iorque na capa. Sarah já estava separada, mas de acordo com os códigos da época e do conservadorismo da família onde estava inserida, não poderia estar com outro homem antes de ter assinado o divórcio do príncipe.

As edições seguintes do Mirror trouxeram mais fotografias. John Bryan debruçava-se sobre Sarah, que estava em topless. A rainha e o príncipe Philip (não me perguntem porque é que em Portugal traduzimos todos os nomes da família real britânica menos este, porque não faço a mínima ideia) jamais perdoaram “à ruiva”, como lhe chamava Diana, que passou a ser persona non grata e afastada de todos os eventos dos Windsor, mesmo que as suas filhas estivessem presentes.

Já André parecia a imagem da santidade. Isto antes de uma das vítimas da rede de prostituição de menores de Jeffrey Epstein, que se suicidou em 2020, na prisão, ter apresentado uma queixa contra o duque de Iorque, acusando-o de abuso sexual. O caso remonta há 22 anos, quando Virginia Giuffre o acusou de ter abusado sexualmente dela quando tinha apenas 17 anos.

 Numa declaração de 2022, divulgada após um acordo extrajudicial com Virginia, os advogados de André informaram: “O príncipe André pretende fazer uma doação substancial à instituição de caridade da Sra. Giuffre que apoia as vítimas.”  E acrescentaram: “O príncipe André nunca teve a intenção de difamar o caráter da Sra. Giuffre e aceita que ela sofreu, tanto como vítima de abuso, como na sequência de ataques públicos injustos.”

O duque de Iorque, que por causa deste processo perdeu os títulos militares e de realeza (deixou de ser chamado de alteza real e foi afastado da vida pública), é uma das 150 a 180 entidades que figuram nas mil páginas de documentos judiciais, juntamente com empresários, políticos e celebridades, nomeadamente Michael Jackson, Bill Clinton e Donald Trump, sendo que estes últimos não serão grande surpresa para ninguém, como expoentes de misoginia. No entanto, Clinton “não terá o nome ligado a nenhuma ilegalidade”, mas viajou no avião de Epstein para o que é descrito como “viagens humanitárias a África”.

O nome do príncipe, agora com 63 anos, aparece ligado ao processo de Virginia Giuffren, mas também figura no depoimento de Johanna Sjoberg, outra denunciante de Epstein, que acusa André de ter apalpado o seu peito ao posar para uma fotografia com Epstein, Giuffre e Ghislaine Maxwell.

Os documentos agora divulgados incluem o depoimento de Johanna, que conta assim a história: “Eles disseram-nos para irmos para o sofá e então André e Virginia sentaram-se no sofá. Eles colocaram o boneco no colo dela. E então eu sentei-me ao colo do André e eles pegaram nas mãos do boneco e colocaram-no no peito de Virginia, e então o André colocou as dele no meu.”

Muitos dos nomes divulgados esta semana já eram conhecidos desde 2021, quando Ghislaine Maxwell foi condenada a 20 anos de prisão por ter ajudado Epstein, com quem começou por ter uma relação sentimental, que evoluiu para a relação comercial de ser ela a aliciar as menores quando ficou demasiado velha para os gostos do proxeneta, membro e instigador de uma “elite” caduca e podre.

Subdiretora do Diário de Notícias

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