Entre a Web Summit e o Convento

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Após poucos dias da cacofonia tecnofórica da Web Summit, onde tudo é “disruptivo”, “revolucionário” e “o futuro já chegou”, preparamo-nos agora para entrar no silêncio espesso do Convento da Arrábida, onde amanhã se realiza o 20.º Fórum do Futuro da Sociedade da Informação, organizado pelo Grupo dos Futuros da APDSI e cujo tema este ano irá ser “As Instituições face ao caos na era da AGI” (Inteligência Artificial Geral).

É como passar do frenesim de uma montanha russa luminosa cheia de promessas, com milhares de participantes e políticos eufóricos, para um mosteiro no meio da natureza, vocacionado para o recolhimento e a reflexão, com cerca de trinta convidados muito especiais.

Na Web Summit, a tecnologia foi um desfile. Os palcos brilharam, os slogans entusiasmaram e a sensação de que o mundo seria salvo por uma startup pairou no ar. Houve energia, houve criatividade, houve ideia, mas também houve excesso, superficialidade e um certo deslumbramento que nos anestesia o sentido crítico. É a festa da inovação, com pouca pausa para pensar nas consequências.

O Convento da Arrábida, pelo contrário, obriga à contenção, ao silêncio e à introspeção. Ali, o futuro não é um produto, é um dilema. A tecnologia não entra em palco de luzes, mas senta-se à mesa para ser desafiada, discutida e dissecada em grupos de trabalho, do ponto de vista geopolítico, societal e individual. É por isso que este Fórum tem uma importância tão particular. Não é a celebração do que vai vir, é o questionamento do que deixamos que venha aí no futuro.

No país, entretanto, cresce o deslumbramento político perante a tecnologia. Uns quantos políticos e dirigentes parecem confundir entusiasmo com visão e anúncios com estratégia. Adotam sistemas antes de os compreender, promovem soluções porque “são modernas” e rendem-se ao vocabulário tecnológico sem perceber que cada passo neste terreno deve ser acompanhado de prudência, ética e reflexão. A tecnologia vira bandeira, slogan e promessa, mas raramente suscita debate.

A velocidade das inovações supera a capacidade de resposta das instituições, que se veem empurradas para mudanças que não tiveram tempo de assimilar. E o cidadão, perdido entre apps, algoritmos e identidades dispersas, deixa de ser sujeito para se tornar utilizador e, pior ainda, um produto ao serviço das gigantes tecnológicas.

Amanhã, porém, no Convento, não haverá palcos com luzes LED, nem keynotes explosivos, nem buzzwords repetidas em coro. Haverá perguntas, hesitações e inquietações, aquilo que tem faltado em outros espaços. O Fórum da Arrábida existe precisamente desde 2002 para devolver densidade ao debate que a espuma tecnológica tende a diluir.

E talvez seja este o ponto essencial. Entre a excitação contagiante da Web Summit e o recolhimento do Convento, há um intervalo onde Portugal precisa de se situar. Nem euforia acrítica, nem rejeição medrosa e nem abandono cego ao algoritmo, nem negação ingénua do inevitável. Precisamos de um equilíbrio entre a ordem e o caos no caminho sem retorno para o hiperdigital. Sabemos que é difícil, mas só pode nascer de lugares como este, onde o silêncio obriga a pensar antes de agir.

O futuro da sociedade da informação obriga a essa pausa. Exige o sossego da serra depois do ruído da feira tecnológica! Exige líderes que resistam ao fascínio fácil e prefiram a lucidez incómoda! Exige cidadania que não se perca no brilho das novidades, mas que se firme na defesa do que é humano!

Amanhã, a Arrábida será esse espaço raro, o lugar onde, longe do barulho, se tenta compreender o que realmente está em jogo. Entre o entusiasmo e a prudência e entre a velocidade e a consciência, talvez encontremos finalmente o ponto de equilíbrio que a Web Summit não pode oferecer, mas que o futuro impõe.

Especialista em governação eletrónica

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