Ensino superior: mais barreiras, menos candidatos

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Foram conhecidos os resultados do concurso nacional de acesso ao ensino superior (ES). Uma redução de 12,1% de colocados face ao ano passado – algo como seis mil candidatos – que já era expectável, uma vez que se candidataram menos dez mil. Uma primeira leitura suscita-me três reflexões. 

Primeira reflexão, um ponto prévio: porquê o ES? Porque é, comprovadamente, o mais eficaz elevador social. Com a inteligência artificial, antecipa-se uma reconfiguração radical da paisagem das profissões, com o ressurgimento e valorização da mestria, da criatividade, da personalização e do trabalho de proximidade (social e manual). Ainda assim, não tenho dúvidas: a frequência do ES continuará a ser condição crítica para o sucesso nesse futuro próximo. Aprender conteúdos, aprender a aprender e conviver com colegas de diferentes formações e origens constitui um poderoso bilhete de entrada no elevador social a que os jovens, legitimamente, aspiram. 

Segunda reflexão: as barreiras à entrada. Os resultados sugerem três tendências claras quanto à geografia da redução: menos colocados no interior, menos colocados nos politécnicos e, muito provavelmente, menos colocados oriundos dos estratos mais pobres da sociedade. Isto remete para o modelo de acesso, que aumentou o número de exames nacionais como provas de ingresso, reforçou o respetivo peso na nota de candidatura e reduziu o peso da classificação final do secundário. Ou seja, o acesso ao ES deixou de ser o corolário de um percurso académico desenvolvido ao longo dos 10.º, 11.º e 12.º anos – em que os alunos aprendem, evoluem, se ajustam e têm oportunidades de corrigir momentos menos bons – para se transformar no resultado de uma final, um par de exames em que jogam tudo ou nada, sob níveis de ansiedade e pressão que nem todos conseguem gerir aos 17 ou 18 anos. A consequência foi a emergência de uma verdadeira indústria de preparação para exames, muito rentável para inúmeros professores. Facilmente se depreende que os mais desfavorecidos não podem suportar esse custo, ficando inevitavelmente em desvantagem. 

Terceira e última reflexão: os elementos dissuasores. Há uma soma mágica – e muitas vezes dececionante – para as famílias que ambicionam ver os seus filhos no ES: propina mais subsistência, sobretudo alojamento, no caso de deslocados. Para demasiados, este valor é proibitivo. O resultado é desistirem de se candidatar ou, em alternativa, optarem por um curso próximo, que não é provavelmente o desejado ou aquele para o qual teriam média. Com a litoralização da oferta de maior qualidade, os desfavorecidos do interior são os grandes perdedores. E persiste ainda o desequilíbrio da oferta: continuam a existir cursos atrativos, de grande empregabilidade e de interesse estratégico para o país, com vagas reduzidas; e cursos em áreas profissionais saturadas ou deprimidas, com vagas generosas. Tudo isto para manter o status quo da corporação académica, que raramente se mostra indisponível para se adaptar às novas realidades e que nem reitores nem governantes ousam desafiar. 

No fim, a questão central permanece: queremos um ensino superior que continue a ser um verdadeiro elevador social ou apenas um privilégio reservado a quem pode pagar o bilhete de entrada? O futuro do país joga-se nesta resposta. 

 Professor catedrático

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