Em Varsóvia joga-se o futuro da União Europeia
A União Europeia é uma organização de direito e que se baseia no direito. Existe porque todos os Estados membros concordaram nos termos de um tratado internacional que estabelece os seus princípios, objetivos, instituições e funcionamento. Ou seja, a UE é o que os Estados querem que seja e, nesse ato fundador, a grande Alemanha e a pequena Malta têm os mesmos poderes e a mesma capacidade soberana de aceitar ou recusar o que é proposto.
Mas a natureza legal da UE vai muito além do seu ato fundador. Tudo o que a União Europeia faz, diz e decide baseia-se nos termos do tratado e aplica-se de igual forma na grande França e no pequeno Luxemburgo. E o mais importante resultado da existência da UE - o Mercado Único - só sobrevive porque o que se aplica em Portugal aplica-se de igual forma na Lituânia. Para garantir que assim é, a União estabeleceu um princípio jurídico fundamental: se legislação europeia e legislação nacional não forem compatíveis, aplica-se a lei da UE, pois só assim é possível garantir que o que é legal num país é legal em todos os países.
Este princípio fundador e fundamental de todo o sistema de funcionamento da União Europeia está ser posto em causa na Polónia, que estabeleceu um mecanismo de controlo político das decisões dos tribunais nacionais, que colide com os princípios de separação de poderes existentes em todas as Constituições democráticas do mundo e no Tratado da União Europeia. Mas quando a União declarou que o novo sistema viola os tratados, o Tribunal Constitucional polaco colocou em causa o primado do direito da União sobre o direito nacional.
Embora existam outros mecanismos previstos para os casos de violações dos princípios políticos e democráticos, a União respondeu estabelecendo a ligação entre o respeito pelos princípios e valores fundamentais e o respeito pelo sistema legal previstos no tratado com o acesso ao financiamento europeu. Ou seja, para aceder aos fundos europeus, os Estados membros têm de respeitar a democracia, os direitos fundamentais, o Estado de direito, a igualdade entre os cidadãos e os direitos das minorias e o sistema jurídico da UE.
Se, por um lado, o argumento de Bruxelas e de outros Estados membros que dizem que os impostos dos cidadãos europeus não devem financiar países que não aceitam os princípios básicos é respeitável, a ligação entre o respeito pelos princípios fundadores da União e as transferências financeiras significa que só os países mais pobres se sentirão obrigados a respeitar a democracia, os direitos humanos e os outros princípios sobre os quais a União se funda. O que aconteceria se os princípios da UE fossem postos em causa por um país que não recebe financiamento?
A União Europeia é uma organização de direito e de princípios que se aplicam a todos os Estados membros e sem o primado do direito da UE sobre o direito nacional não há União Europeia. Todos os Estados membros o sabem e, mais importante, sabiam-no quando aderiram à UE. Mas o mecanismo que garante que esses princípios se aplicam não pode ficar dependente da riqueza relativa de uns e da pobreza comparativa de outros. Em questões de valores e de funcionamento da União não podemos ter filhos e enteados, por muito eficaz que o mecanismo financeiro possa ser.
Investigador associado do CIEP / Universidade Católica Portuguesa