Em que Nikki devemos acreditar?
Nikki Haley fez uma caminhada admirável nas Primárias Republicanas de 2024. Partiu com apenas dois ou três pontos percentuais, fez 19% no arranque no Iowa, mais do que duplicou no New Hampshire e somou outros Estados acima dos 40 pontos percentuais. Até venceu no Vermont e em Washington DC, e obteve 55% dos votos em condados de grandes universidades como Colorado, Rich- mond, Iowa ou Virgínia. Passou os 60% na Beltway (Alexandria, Arlington, Fairfax, Falls Church), num total de 30 condados a nível nacional.
Nunca chegou a ter hipóteses reais de tirar a nomeação a Trump, mas incomodou Donald muito mais do que os trumpistas desejavam ou imaginaram. Obteve um em cada quatro votos da Super Tuesday, ganhou no voto de licenciados em vários Estados. Acima de tudo, pareceu ter deixado uma marca: a de que teria sido possível uma alternativa credível e aceitável, se o Partido Republicano não se tivesse rendido há muito ao trumpismo populista, ultranacionalista, demagógico e antidemocrático.
De acordo com sondagem uma NYT/Siena, realizada pouco depois de Haley ter desistido, 48% dos votantes Haley nestas Primárias afirmaram ter preferido Biden a Trump em 2020 (32% preferiram). Já no que se refere ao mesmo duelo mas agora para 2024, os mesmos votantes Haley dariam ligeira preferência a Trump sobre Biden, num quase empate: 44% para 40%.
É claro que essa diferença antecipa um problema para Biden - é mais um indicador que sinaliza que o presidente vale, eleitoralmente, muito menos do que há quatro anos. Mas não deixa de ser significativo que 40% dos eleitores Haley nas Primárias considerassem, aquando da desistência de Nikki, votar em Biden em 2024.
Olhem para o que aviso, não para o que eu desejo
Nikki tinha toda a razão no que avisava durante a campanha: “Trump sabe que não ganhou em 2020 e não devia insistir na tese da fraude”, insistia a ex-governadora republicana da Carolina do Sul. “Para a América, não é bom que Biden esteja mais quatro anos na Casa Branca, mas também não seria bom que Trump voltasse para lá.”
Haley antecipava nos comícios, com especial assertividade e clareza, que “o regresso de Trump seria o regresso do caos”.
Perante tão acertados avisos, é caso para perguntar: o que terá levado Nikki Haley a apressar-se a declarar que vai votar em Donald Trump em novembro?
A resposta não é muito abonatória para a antiga Embaixadora dos EUA na ONU. Depois de uma campanha competente, eficaz e articulada, Nikki preferiu ignorar 40% dos seus eleitores e esquecer quase tudo o que disse sobre Donald. “Trump não tem sido perfeito em vários temas, mas Biden está a ser uma catástrofe como presidente. Por isso, vou votar em Trump.”
Como candidata nas Primárias, Nikki revelou responsabilidade e dimensão de estadista. Mas, com isto, Haley mostra que é, essencialmente, uma política com ambições e que olha para os seus interesses futuros. Até já se esqueceu da tirada bem lançada que assinou durante a campanha: “Devemos escolher um candidato presidencial abaixo dos 75.” Eram, claro, para os 81 anos de Biden - mas também para os 78 de Trump. Afinal, isso já não é impedimento para o voto de Nikki em novembro.
Mesmo que ganhe em novembro, Trump está fora das contas eleitorais em 2028 - será essa a meta imediata de Nikki e ela sabe que vai precisar de uma parte dos eleitores que, por agora, se renderam ao trumpismo.
Mais: se Trump ganhar e fizer um segundo mandato desastroso, ela até pode lembrar que, nas Primárias de 2024, tinha previsto “um caos” para esse cenário. É o lado calculista de Nikki Haley a funcionar no seu mais perverso esplendor.
Em que Nikki Haley deveremos acreditar?