Em Faro, lembrando António Ramos Rosa
Promoveu a Câmara de Faro a comemoração do centenário do poeta António Ramos Rosa, num encontro de poetas e estudiosos da poesia, com curadoria de António Carlos Cortez, onde se evocou a importância e influência do poeta na poesia portuguesa contemporânea.
Ramos Rosa é um poeta de Faro. Na sua juventude naquela cidade começa logo a afirmar-se um dos traços essenciais da sua ação poética: o diálogo com as poesias estrangeiras, como manifestação de um cosmopolitismo universalista, que recusa confinar-se a uma só língua e a uma só tradição.
Através do acesso que lhe é facultado pelo Instituto Francês de Faro aos livros da poesia francesa mais recente, os seus horizontes abrem-se e nasce no poeta uma vontade de transmitir e teorizar valores novos na poesia portuguesa.
Nesses anos do pós-guerra, final dos Anos 40 e Anos 50 do século passado, o neorrealismo e a sua poética de combate e de rigor ideológico atraía forçosamente todos aqueles que não se identificavam com o regime opressivo e opaco que nos asfixiava: mas a verdade é que o fecho de horizontes que este movimento trazia consigo (e que deu origem, nomeadamente, à distância crítica de Mário Dionísio) não era compatível com a necessidade de uma respiração mais ampla e livre, que se veio afirmar nos grupos surrealistas que nasceram por essa altura em Portugal e que o nosso poeta seguiu com atenção.
É assim entre o neorrealismo e o surrealismo que António Ramos Rosa e o seu grupo definem uma poética, que quer ir mais além desses movimentos, mas incorpora, deles, marcas e heranças substanciais.
E no seu primeiro e muito importante livro de ensaios sobre poesia, Poesia Liberdade Livre, a mensagem de libertação surrealista ecoa, desde o título vindo de Rimbaud a afirmações essenciais da sua poética, de que me permito destacar um excerto do seu ensaio A Poesia e o Humano: “A poesia situa-se pois ao nível deste humanismo concreto e libertador, antidogmático por excelência. Como poderia ela pactuar com qualquer espécie de autoritarismo, ainda quando acobertado sob a forma de um idealismo racionalista e de pretensas normas de universalidade abstrata?”
Contra este racionalismo abstrato que o neorrealismo proclama (mesmo quando se afirma como um “programa para o concreto”, nos termos de Pinheiro Torres), ergue-se o “grito de libertação” que vem de Rimbaud, mas ergue-se igualmente uma importante inovação: a reivindicação da autonomia da palavra poética face à razão e ao próprio sentido, porque ela funda uma nova relação entre o homem e o mundo, irredutível à razão lógica.
Esta revolução vai além do neorrealismo e do próprio surrealismo, nascendo da reflexão de Mallarmé, que disse um dia: “A poesia faz-se com palavras, não com ideias.” É uma revolução fundamental na poesia portuguesa.
Devemos a António Ramos Rosa o entendimento desse espaço branco e nu, onde se vem inserir a fragilidade da palavra poética, sempre precária, sempre em dúvida consigo mesmo.