Educar para a Paz
Cecília Meireles escreveu um dia num poema sobre a guerra: "Tanta é a morte/que nem os rostos se reconhecem lado a lado/e os pedaços de corpo estão por ali como tábuas sem uso." Vemos diariamente o espetáculo da morte, seja na Ucrânia, seja na Palestina, no Congo ou no Sudão e não podemos dizer que não sabíamos de nada porque a morte entra-nos todos os dias em casa através da televisão. A morte é-nos transmitida em direto de forma tão intensa e repetida que os cidadãos parecem ter-se tornado indiferentes ao horror como se nada daquilo lhes dissesse respeito. Parece que está na natureza humana ser capaz de se comover com uma história em particular, mas não com eventos que implicam multidões de mortos.
Na década de setenta - época em que os líderes políticos tinham vivido ou sido testemunhas das calamidades da Segunda Guerra Mundial e, portanto, desejavam evitar que os seus filhos passassem pelo mesmo - houve um chanceler alemão que disse o seguinte: "Mais vale cem horas a negociar sem resultados do que um minuto aos tiros.". Os líderes atuais que não passaram por nenhuma guerra, exceto talvez as dos jogos de vídeo, apostam de novo nos nacionalismos. Vemos renascer um belicismo que não víamos há décadas. A lógica da "lei do mais forte" volta a vigorar e a sobrepor-se ao direito internacional como se a civilização e a cultura fossem apenas um vago verniz. A par desta situação catastrófica têm sido eleitos ou chegaram ao poder indivíduos cujos traços de personalidade narcísica evidenciam a necessidade de reforçar o próprio poder e de o manter pelo medo, muito mais do que a preocupação com o bem-estar dos povos que governam. A confiança, que é a base da democracia, vai-se esboroando para dar lugar às narrativas da ameaça.
Desde a década de noventa que a UNESCO fala da importância de educar para a paz como um elemento essencial da educação básica. Continuar a educar para a paz é um elemento mais do que nunca essencial. A UNESCO define a educação para a paz como o processo de promoção de conhecimento, aptidões, atitudes e valores necessários para a mudança de comportamentos, permitindo que crianças, jovens e adultos sejam capazes de prevenir conflitos e atos violentos, resolver conflitos de forma pacífica e criar condições para se atingir a paz ao nível interpessoal, entre grupos, ao nível nacional e internacional.
Para se atingir estes objetivos, segundo a UNESCO, é imprescindível uma abordagem multidisciplinar. Métodos de ensino interativos, participativos e estruturados de forma cooperativa são tão importantes quanto a própria matéria a tratar. Esses métodos permitem que os alunos compreendam melhor conceitos complexos, desenvolvam habilidades de resolução de problemas e aprimorem as suas competências sociais. Neste contexto, é de salientar que trabalhar para a paz é também educar crianças para que saibam reconhecer que os outros possuem pensamentos, emoções, intenções e desejos que podem diferir do próprio, é desenvolver a empatia e a capacidade para tomar o ponto de vista do outro, dimensões que estão na base do desenvolvimento de relações sociais saudáveis e ajustadas.
Tão importante como a escola é a família. Famílias que fazem as crianças sentir-se seguras e amadas, que transmitem valores e competências sociais são sem dúvida famílias que estão a trabalhar para a paz. Apesar de a UNESCO não o mencionar a educação parental será, porventura, tão relevante como programas escolares com incidência em crianças e jovens.
Todos falamos na importância da paz para o mundo, é o desejo típico de passagem de ano ou de discursos intencionais vários, mas o que cada um de nós faz, realmente, em prol da paz? Apesar da História não se repetir exatamente da mesma maneira, o apelo a epopeias guerreiras e militares repete-se ao longo dos séculos. Por isso, poemas como o de Cecília Meireles são infelizmente necessários: "Tanto é o sangue/que até a lua se levanta horrível/e erra nos lugares serenos/sonâmbula de auréolas rubras."
Escritora e Professora do Ispa – Instituto Universitário