Educação – serviço público

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Em março de 1990 foi aprovada em Jomtien (Tailândia) a declaração mundial sobre a Educação para todos, na qual se consagrou como prioridade mundial o direito à educação para toda a humanidade. Estive lá. Quando a UNESCO foi criada, em 1945, o objetivo consagrado foi o combate ao analfabetismo, mas décadas passadas entendeu-se dever completar os objetivos ligados à literacia com os direitos e deveres ligados à aprendizagem de qualidade para todos como fator de dignidade humana. A educação é sempre uma troca de saberes e de experiências, na qual as escolas, as famílias, as sociedades e os Estados assumem responsabilidades partilhadas.

É um tema que preocupa as opiniões públicas, apesar de haver demasiadas simplificações. Não basta haver ideias vagas ou ilusões sobre sociedades supostamente perfeitas. Se os professores são os educadores profissionais, as famílias são as educadoras naturais - cabendo a todos uma efetiva partilha. Nem professores nem famílias, nem Estados são proprietários das crianças e jovens que aprendem. A noção de serviço público de educação, em que tenho insistido com o meu amigo Eduardo Marçal Grilo, não se confunde com uma lógica estatal. Contudo, importa compreender que a liberdade individual, para ser real e justa, tem de envolver o bem comum, numa relação biunívoca - não há liberdade sem igualdade, nem igualdade sem liberdade. A educação para todos obriga, assim, que se combata ativamente a exclusão e se respeite integralmente as diferenças sociais, culturais e económicas.

Se falamos de escolaridade obrigatória de doze anos, consideramos a sociedade integrada num processo complexo de experiências com resultados incertos e a obrigação de os avaliarmos os resultados não de um modo simplista ou redutor, mas de forma a compreender a heterogeneidade de situações, a partir de culturas e meios diferentes bem como de situações sociais e económicas heterogéneas. Quando há dias, ouvimos comentários sobre os "rankings" das escolas, percebemos que as realidades são tão diversas que suscitam conclusões precipitadas e até falsas. Por exemplo, querer tirar conclusões na relação entre as iniciativas estatal e não estatal e misturar a liberdade de escolha, é desconhecer para a maior parte do território e para a maior parte da população quais às condições concretas de acesso à escola obrigatória.

Por outro lado, quando se fala de avaliação, esquece-se a necessidade de uma avaliação integrada, envolvendo alunos, professores e escolas. Os "rankings" não são um "abre-te Sésamo". São um instrumento, entre outros, que existe como fator informativo para um conjunto limitado de fatores. Pode ser útil, mas o que importa é conhecer a realidade o melhor possível. Infelizmente as comparações são cada vez mais difíceis. Daí que o ceticismo seja óbvio e natural. De que precisamos? De comparações internacionais, de melhor informação e sobretudo de uma cultura de avaliação (não apenas dos alunos) e de um esforço na melhoria das aprendizagens.

Temos de nos preocupar com a disparidade e a inflação nas classificações individuais, devendo haver garantias na equidade e na ponderação das diferenças. O mérito tem de ser corrigido pela dignidade do trabalho e da responsabilidade. A aprendizagem não se afere por sucesso ou insucesso, mas pela compreensão e pelo conhecimento. Não podemos estar satisfeitos com o que se aprende generalizadamente. Se os "rankings" não servirem para sermos melhores, de nada servem. É a educação de qualidade para todos que importa. Os resultados numa escola têm de ser objeto de acompanhamento e correção dos constrangimentos. Além da igualdade de oportunidades, é preciso corrigir as desigualdades. E não podemos confundir políticas educativas e políticas de assistência social. A qualidade das aprendizagens tem de ser para todos. Foi isso que se debateu há 32 anos e muito fica por fazer.


Administrador executivo
da Fundação Calouste Gulbenkian

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