"Earthrise", o nascer da Terra
É impossível quantificar o número de fotos existentes no mundo. Quando ainda precisávamos de um rolo fotográfico, poder-se-ia estimar o número de chapas batidas a partir do número de rolos fabricados. Com o advento das câmaras digitais e dos telemóveis com essa função integrada, a democratização da foto acabou com qualquer chance de adivinhar as vezes que se fez click.
Ainda assim, mesmo sem sabermos quantos zeros seriam necessários para escrever o número global de fotos, é possível ter uma hierarquia das mais influentes no mundo. Na minha avaliação pessoal, a famosa Earthrise, que mostra o nascer da Terra a partir da órbita da Lua, está no topo.
Esta semana, morreu o homem que a tirou em 1968, o astronauta William Anders. Foi o piloto do módulo lunar da missão Apollo 8, uma das mais decisivas para a abertura do caminho que permitiu a alunagem sete meses depois, na medida em que mostrou ser possível enviar uma nave tripulada, orbitar a Lua e fazê-la regressar em segurança.
O que tem de tão excecional aquela foto? Para começar, a perspetiva inédita. Foi a primeira vez que os seres humanos viram a Terra de uma tão grande distância, surgindo no horizonte lunar como um pequeno e frágil planeta flutuando no vasto espaço.
O contraste entre o cinzento algo desolador da Lua e o vibrante azul e branco da Terra criou nas pessoas um grande impacto emocional, como se, pela primeira vez, tivessem percebido que somos todos viajantes no espaço e partilhamos a mesma nave, a nossa casa comum.
Foi preciso sair da Terra para olhar a Terra de um modo nunca antecipado. Àquela distância, a complexidade da vida terrena, plena de divisões, fronteiras e conflitos, simplesmente inexistia, trazendo ao pensamento o conceito de Humanidade, una, coesa, bela e solidária. Ali, estávamos juntos, sobre uma belíssima esfera de terra e mar, de que deveríamos cuidar sob pena de não termos um lar alternativo.
Esta constatação inspirou movimentos ambientalistas que, à época, eram muito circunscritos a comunidades científicas. Diz-se que foi a foto Earthrise que inspirou a criação do Dia da Terra.
Noutra perspetiva, a foto é também um símbolo do avanço tecnológico. Na segunda metade da década de 60 do século passado, a exploração espacial era um palco de competição entre as potências que protagonizavam a Guerra Fria. Depois de uma ligeira vantagem da União Soviética, os Estados Unidos recuperaram e embalaram para uma vitória retumbante, quando Neil Armstrong se tornou o primeiro homem a pousar o pé na superfície lunar, em 20 de julho de 1969.
A captura da foto foi, em si mesma, um desafio tecnológico apreciável. A câmara Hasselblad montada no módulo em órbita teve de encontrar o equilíbrio justo entre a iluminação, a profundidade de campo e a focagem para produzir uma composição da superfície lunar próxima, do negro profundo do espaço e da meia esfera brilhante e distante que flutuava como se não tivesse peso.
Uma imagem que é de todos nós, os terrenos. Graças a William Anders, que agora partiu, quem sabe, para outras paragens deste misterioso universo.