E os excluídos, Senhor?

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Este país não é para todos…

Os discursos de ódio e a atribuição de características negativas a determinados grupos deixou de ser sussurrado para ser dito alto e em bom som. Assim se ouve falar de maneira pejorativa dos imigrantes, dos ciganos, homossexuais e outros que tais, unindo pessoas muito diversas debaixo do mesmo guarda-chuva, como se os estereótipos e preconceitos fossem factuais. Os estudos de psicologia social que demonstram como se exagera sempre na atribuição de aspetos negativos em relação àqueles que não pertencem ao nosso grupo têm décadas, sem que tenham tido o efeito necessário em termos de educação para a diversidade e para a empatia.

Em Portugal o abandono e a negligência social é visível demasiadas vezes em relação aos mais frágeis. Abandona-se os mais desprotegidos tantas vezes à sua sorte, mormente idosos, deficientes, vítimas de acidentes, embora o discurso vá sempre no sentido do auxílio e da inclusão. Sei bem do que estou a falar, porque conheci de perto a sensação de abandono ao ser atropelada numa passadeira. No discurso oficial insiste-se na inclusão, mas veja-se como poucas cidades equacionam as questões da acessibilidade para os deficientes motores. Veja-se como as pessoas têm dificuldade em dar o lugar a uma grávida ou a um idoso nos transportes públicos.

Um dos exemplos mais graves de discrepância entre o discurso e a práxis diz respeito às crianças com necessidade educativas especiais. Como noutros casos temos uma lei excelente (Decreto-Lei n.º 54/2018) que garante a inclusão de todos os alunos sem exceção, substituindo-se um modelo médico por outro centrado nas necessidades dos alunos. Se é verdade que crianças com necessidades educativas beneficiam em termos de integração com outras crianças, tem de haver apoio mais individualizado para as especificidades dessas crianças. Crianças com graves deficiências não podem ser abandonadas no meio de uma turma em que a integração é quase só sinónimo de estarem numa sala de aula regular. Se há agrupamentos de escolas que são instituições de referência e tem as equipas de educação especial (chamados de CRI) completas, outras há que deixam muitas crianças a descoberto com meia hora ou uma hora de apoio especial por semana. As equipas são muito vezes escassas para os pedidos e as crianças não têm o tempo de apoio necessário nem o mesmo é feito com a precocidade necessária, além de que alguns docentes e auxiliares não saberem efetivamente o que fazer com esses alunos especiais. Não é aceitável ver pais de crianças autistas profundas ou com paralisia cerebral desesperados por verem as suas crianças sem o apoio necessário. Apesar da nossa Constituição falar de igualdade de oportunidades, em relação a estas crianças especiais - como em tantas coisas - a igualdade é uma falácia. Depende muito do agrupamento de escola que a criança frequenta e ainda mais da riqueza dos pais que podem ou não pagar a profissionais privados como terapeutas da fala ou outro tipo de terapias necessárias. Há que meter o dedo na ferida, porque a ferida está aberta na alma de muitos pais.

Escritora e Professora do Ispa – Instituto Universitário

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