Mariana Mortágua foi uma figura altamente polarizadora desde que surgiu no palco político mediático. Encarnou os valores de uma esquerda mais progressista em várias dimensões. Mulher, lésbica, filha de um revolucionário, fervorosa defensora das suas causas e incómoda anticapitalista com provas dadas em diversas intervenções parlamentares - a sua participação na CPI à queda do BES terá direito a figurar nos "best of" da história parlamentar democrática - Mariana tornou-se uma espécie de ódio de estimação à direita do espectro político. E foi com esse lastro que assumiu a liderança do Bloco de Esquerda, em 2023, alimentando a ilusão de alguns para quem a melhor forma de combater o crescimento populista de André Ventura talvez fosse promover o mais próximo de um anti-Ventura no extremo oposto da paisagem partidária.Dois anos e meio depois, o anúncio de saída de Mariana Mortágua assinala o fracasso absoluto de uma estratégia que reduziu o Bloco de Esquerda a uma quase irrelevância política e deixou o futuro do partido em xeque. O definhamento do BE não é assinatura exclusiva de Mariana. Já vinha em queda livre desde que se viu perdido num labirinto em que mergulhara com a Geringonça. Mas os números são implacáveis: nos testes eleitorais que a sua liderança atravessou, o Bloco perdeu centenas de milhares de votos e o lugar que antes ocupava como força útil à esquerda do PS ficou reduzido a um lugar no parlamento português, outro no europeu e uma quase extinção autárquica (um vereador e 15 deputados municipais).Numa atmosfera política e social particularmente adversa para a Esquerda atual, não só em Portugal como um pouco por toda a parte, o perfil ativista de Mariana Mortágua tornou-se o alvo perfeito para a retórica anti-woke dominante. E a idealizada oposição a André Ventura resultou numa derrota por KO, admitida este fim de semana em carta aos militantes do partido.Independentemente dos ventos adversos, houve uma estratégia claramente falhada e Mariana Mortágua deixou-se aprisionar na caricatura que a direita lhe criou - e que ela própria não quis ou não soube desmontar, entrincheirando o partido numa bolha ideológica que se foi fechando cada vez mais.A polémica final em redor da sua participação na flotilha rumo a Gaza – não pela legitimidade da causa, mas pela forma como deixou o partido durante tanto tempo sem representação no Parlamento e sem liderança no arranque de uma importante campanha autárquica - foi apenas um simbólico anúncio de despedida de uma Mariana já sem margem para salvar o barco da sua liderança.Sai com lucidez, reconhecendo que falhou na descentralização e na renovação do Bloco, e deixa o partido perante um dilema existencial: se não reencontrar um caminho que combine firmeza ideológica com utilidade política para lá do atual enclave identitário, o Bloco, que ainda há dez anos era a terceira força política do país, arrisca-se a ficar apenas como um capítulo melancólico da esquerda portuguesa.