Dualidades

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Estamos em pleno período das novas provas ModA de 4.º e 6.º anos, aquelas que substituíram as provas de aferição de 2.º e 5.º anos, sem que nada de muito relevante mudasse quanto a consequências para a avaliação externa, em tempo útil, das aprendizagens dos alunos. Aquelas provas que, apesar de não contarem para a avaliação dos alunos, acontecem ainda em período lectivo e implicam que esses alunos e outros deixem de ter várias aulas para que sejam realizadas.

O Ministério da Educação veio, com atraso, especificar que as aulas não podem ser suspensas nos dias das provas, para que a opinião pública não se sobressaltasse, mas não explicou como os vigilantes das provas, os docentes que prestam apoio técnico à sua realização em suporte digital e os membros do secretariado das ditas provas, conseguem assegurar essas tarefas e, ao mesmo tempo, dar aulas às turmas que não as realizam.

Mas sobre isso e o interesse em realizar estas provas, que não contam para a avaliação dos alunos, na mesma temporada das provas finais do 9.º ano, já alguma coisa se escreveu, sem qualquer efeito, pelo que prefiro destacar outro aspecto que é o de se querer apresentar um simulacro de modernidade em pilares muito frágeis.

Não contesto o que alguns governantes apresentam como “desígnio”: a aposta num ensino mais tecnológico, mais ligado às novas ferramentas digitais. Sim, o futuro deve passar por aí. O problema é sabermos se o voluntarismo a que assistimos corresponde, de alguma maneira, a ganhos sustentados nas aprendizagens dos alunos e se não vai apenas corresponder ao crescimento das clivagens socio-educativas já muito presentes no nosso sistema de ensino público (e privado).

De pouco adianta levar todos os alunos a fazer provas em suporte digital aos 9 ou 11 anos, se ainda mal souberem escrever o seu nome ou se a realização da prova corresponder, em diversas partes, apenas a um exercício de lotaria perante as alternativas de resposta. Parece ser incómodo admitir que muitos dos alunos que vão transitando pelo Ensino Básico com “percursos directos de sucesso” (leia-se sem retenções/reprovações) ou mesmo com “sucesso pleno” (sem classificações inferiores a três) o fazem com níveis muito baixos de mestria em competências básicas, que podem considerar-se analógicas ou tradicionais, mas que devem ser a base indispensável para se passar para outro nível de desempenho. E também parece incómodo (ou mesmo despropositado) questionar se, antes de se fazerem provas de História, Matemática ou Português em suporte digital, não deveriam ser feitas provas de Literacia Digital. E só depois de consolidado o uso das ferramentas digitais para efeitos educativos - e não apenas para diversão – passar para o nível das provas de âmbito disciplinar.

Isso, sim, seria mudar o “paradigma”, mas, infelizmente, implicaria mudar mais do que a cosmética populista do curto prazo.

Professor do Ensino Básico. Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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