Do mapa ao motivo: o turismo está a mudar

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Durante muitos anos, a interrogação central do turismo resumia-se a uma questão geográfica: “Para onde vamos?”. Hoje, essa pergunta revela-se insuficiente. O destino permanece relevante, sem dúvida, mas deixou de ser o protagonista da narrativa. O mais recente Relatório Global de Tendências 2026 da Hilton vem corroborar aquilo que os profissionais do alojamento turístico já intuíam: a viagem do futuro inicia-se no propósito, não no percurso. A este novo paradigma dá-se o nome de “whycation” – viagens movidas pela emoção, pelo anseio de pausa, de reencontro, de sentido.

Os dados são reveladores: 56% dos viajantes afirmam procurar o descanso e a renovação interior; 73% valorizam experiências simples, fluidas e tecnologicamente intuitivas; 79% encontram conforto nos sabores familiares; e 84% das famílias expressam o desejo de menos ecrãs e mais tempo de convívio, com destaque para o crescimento das viagens intergeracionais entre avós e netos. O que mobiliza o turista contemporâneo não é a ostentação da experiência, mas a autenticidade que ela lhe devolve. Querem sentir-se em casa mesmo quando estão longe dela; querem pertencer, ser acolhidos, reconhecidos.

Esta metamorfose não surgiu de forma abrupta. Já em 2024, a McKinsey alertava para uma mudança profunda no comportamento dos viajantes: a primazia da experiência emocional sobre o destino físico. As conclusões eram eloquentes: 66% dos inquiridos revelavam maior interesse em viajar do que antes da pandemia, com os jovens a liderar esse impulso, encarando a viagem como prioridade absoluta – superior, inclusive, à aquisição de bens materiais. Desenhava-se, assim, uma nova relação com o tempo livre: viajar tornava-se investimento pessoal, expressão de identidade.

A McKinsey antecipava ainda que a personalização seria o pilar desta nova era. Os viajantes estão dispostos a investir mais quando sentem que a experiência lhes devolve valor afetivo, história e pertença. As viagens tornam-se capítulos da narrativa individual, altamente partilháveis, alimentando uma economia social de inspiração, recomendação e ligação emocional. Com a Hilton a consolidar agora estes sinais, podemos afirmar com segurança: não se trata de uma tendência – é uma transformação estrutural.

Neste novo contexto, Portugal encontra-se numa posição de vantagem competitiva ímpar. Se há nação que sabe receber com alma, somos nós. A nossa gastronomia conforta, as nossas paisagens serenam, e as nossas gentes criam vínculos que perduram. Se a viagem passou a ser guiada pelo “porquê”, então Portugal possui todas as razões para continuar a figurar entre os destinos mais desejados.

Contudo, esta evolução encerra também um desafio. O turismo não pode permanecer ancorado exclusivamente na lógica do produto, do pacote ou do preço. A nova economia do turismo exige que as empresas ofereçam significado, confiança, autenticidade. Já não se compete apenas com promoções – compete-se com memórias, com vínculos afetivos. O turista já não deseja ser tratado como tal. Quer ser tocado pelas histórias e pelos gestos de quem encontra no caminho.

Neste cenário, o talento humano revela-se insubstituível. São os profissionais da hospitalidade e da restauração que transfiguram uma viagem num “momento para sempre”. O turismo é, acima de tudo, um encontro – entre quem chega e quem acolhe. É imperativo cuidar de ambos os lados desse encontro. A retenção de talento, a qualificação contínua e a dignificação das carreiras são hoje fatores estratégicos para o futuro do turismo português.

A “whycation” não é uma moda efémera – é um regresso à essência. Viajar é sentir. É abrandar para voltar a ser inteiro. É fazer parte de algo maior do que nós. Portugal tem tudo para liderar esta nova era do turismo – basta não perder de vista aquilo que sempre nos tornou únicos: a capacidade de transformar um destino em afeto e uma viagem em acolhimento.

Secretária-Geral da AHRESP

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