Dissolver, dissolver, dissolver
Pela terceira vez em pouco mais de três anos, haverá eleições legislativas em resultado de decisões do Presidente da República. Sem essas decisões, neste mandato presidencial, só teriam ocorrido uma vez, em 2023 - por via delas, há-as em 2022, 2024 e 2025, uma diferença não-trivial.
Pela sucessão dessas decisões, registaremos, sob este mandato, um enorme efeito de aceleração - para mais do triplo - do ritmo a que os constituintes quiseram que as legislativas, por regra, ocorressem: de 4 em 4 anos. Isso implica que se tenha destruído grande parte do resultado dos actos eleitorais para que os cidadãos foram convocados: muitas centenas de mandatos electivos, e outros deles derivados, duraram, em média, menos de um terço do tempo-padrão constitucional.
Não será fácil encontrar, em qualquer contexto comparável, e sem qualquer alteração das normas aplicáveis, um caso de tamanho afastamento entre a periodicidade de referência constitucionalmente prescrita e o intensivo calendário praticado. Não se pode falar de colisão com normas, mas não estaremos longe duma prova de sujeição do sistema a uma realidade limítrofe.
Para as eleições de 2022, o motivo da decisão esteve na rejeição dum Orçamento pela AR . Havia outras saídas possíveis, com salvaguarda da composição parlamentar resultante do voto, mas a escolhida (e até objecto de uma espécie de cominação prévia) foi a dissolução da AR.
Quanto às eleições de 2024, a causa esteve na apresentação dum pedido de demissão por parte do PM, com base numa actuação judiciária, até agora sem consequências. Existiam também alternativas mas, de novo, a escolhida (e também preparada através de prévios enunciados sobre a maioria absoluta alcançada) voltou a ser o desaproveitamento dessa configuração parlamentar. Com a eleição, passámos da maioria absoluta para o nível de fragmentação parlamentar que ultimamente tivemos.
No terceiro caso - o actual - para a sorte anunciada de uma moção de confiança, e a demissão dela resultante, também existiam actuações e soluções alternativas. A que foi escolhida representou a terceira dissolução consecutiva, envolvendo, desta vez, um singular raciocínio cominatório: sendo o ponto a “confiabilidade do PM”, então a consequência a eleger num caso de rejeição de moção de confiança que tenha apresentado…será a dissolução da Assembleia que a rejeitou. Um raciocínio semelhante, acrescente-se, ao que inspira soluções constantes da proposta de revisão constitucional apresentada por Meloni, aí expressivas dum outro projecto, mas aqui sem justificação.
Situações e fundamentos tão diversos, conduzindo, todos, à solução mais gravosa para o Parlamento e o voto que o elegeu, sugerem uma interpretação. Em cada uma dessas ocasiões críticas, o PR não quis trabalhar com a realidade parlamentar que tinha pela frente, mesmo quando recentemente apurada, mas quis anulá-la, acelerando a entrada em cena de uma outra.
Independentemente das boas ou más novidades daí resultantes, essa passagem a modo trepidante representa um contributo negativo - para não dizer delapidante - para a nossa experiência constitucional. E exemplificará uma má prática de que os candidatos a PR ganharão muito em distanciar-se na campanha que se aproxima.
Jurista, antigo ministro.
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.