Dispam o Papai Noel
No Rio de Janeiro, por estes dias, alguns Pais Natal, ou Papais Noéis, claro, vestiram-se de preto, a cor supostamente mais quente de todas, e com uma estrela solitária ao peito festejaram as recentes conquistas do Botafogo, clube da cidade, na Taça dos Libertadores da América e no Brasileirão.
E em Balneário Camboriú, no Estado de Santa Catarina, talvez a meca da breguice do novorriquismo brasileiro, onde a sombra dos arranha-céus construídos sem rei, nem roque junto à areia para enriquecer meia-dúzia de “empreendedores” destruiu a praia, os bons velhinhos andam vestidos de amarelo e com sacos verdes, porque são muito patriotas e não usam o vermelho comunista dos Pais Natais originais.
De preto, como o Fogão, de amarelo, como os “patriotários”, ou, simplesmente, de encarnado, o certo é que no Brasil, como no mundo todo, por estes dias só se vê angustiantes Pais Natais nos centros comerciais a tirar fotografias com as crianças ou nos semáforos a pedirem esmola, num país ainda pornograficamente desigual, apesar de, em 2023, a insegurança alimentar ter caído 85%, com 24 milhões de brasileiros a saírem da condição de fome e 9,6 milhões de brasileiros da condição de extrema pobreza, depois de seis anos, os dois de Michel Temer e os quatro de Jair Bolsonaro, vergonhosos neste e noutros aspetos.
A angústia que esses citados Papais Noéis causam, entretanto, não é política, nem social, como se possa ter inferido do parágrafo anterior: é climatérica. Os Pais Natais finlandeses ou ingleses ou norte-americanos ou franceses ou alemães ou até portugueses não angustiam, porque estão vestidos para a época; já os Papais Noéis brasileiros, coitados, fazem-nos transpirar só de olhar.
Andam todos cheios de calor porque, no culturalmente dominante hemisfério norte, Natal sugere frio e neve e, por isso, o culturalmente dominado hemisfério sul, sujeita-se. E os seres humanos, já se sabe, reagem aos estímulos culturais assim como os cães reagem aos ferrinhos de Pavlov.
No auge do verão, com toda a gente na praia ou a sonhar com ela, lá andam eles de casacos e calças e botas e gorros e barbas e sacos pesadíssimos a fingirem que, em vez de num país tropical, moram na Lapónia, que, em vez de raios de sol fulminantes e inclementes, do céu cai neve, que em vez de onças, sucuris e capivaras estendidas ao sol, há renas a puxarem trenós pelo sertão.
Mas a aflição que os Papais Noéis exageradamente vestidos causam no Brasil é, no fundo, a mesma que nos Carnavais de Ovar, Loulé, Torres Vedras e outras praças Portugal afora, em pleno fevereiro chuvoso e gelado, causam as sambistas lusitanas de biquíni no corpo e pele de galinha nos braços de tanto frio. Porque nem sempre, afinal, é o Norte, mais rico, a estimular culturalmente, como Pavlov, o Sul, mais pobre.