Dirigentes que se fazem de mortos

Pode dar muito jeito a políticos que também só pensam no seu mandato ter dirigentes submissos, caladinhos, que deixem andar, mas é uma atitude que se pode virar duramente contra ambos.
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Logo que começaram a ser conhecidos os detalhes da fuga de cinco presos da cadeia de Vale de Judeus, revisitei na minha memória o furto do material militar de Tancos, em 2017.

O quartel que abrigava um dos mais importante paióis de armamento estava degradado, sem os equipamentos de vigilância necessários e com patrulhamentos de segurança insuficientes.  Todos se lembram certamente da trágico-comédia que foi e da vergonha alheia sentida quando se descobriu que os assaltantes tinham entrado tranquilamente pela vedação furada e transportado o material num carrinho de mão.

As expressões que a ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, escolheu para caracterizar a “sucessão de fragilidades” que permitiram a evasão no passado sábado - “desleixo, facilidade, irresponsabilidade e falta de comando” - podiam também aplicar-se a Tancos. Porque a degradação de instalações, equipamentos e, de uma forma geral, das condições de trabalho, não acontecem de um dia para o outro.

É obrigação dos dirigentes, dos comandantes, diretores, garantirem que tudo funciona. Em áreas ligadas à Soberania, como a Segurança, a Defesa e a Justiça, essa premissa ainda é mais forte. Porque, havendo falhas, é a segurança de todos, e consequentemente, a nossa liberdade, que fica comprometida.
Infelizmente muitos dos dirigentes públicos, incluindo militares e forças de segurança,  vestem a farda de “funcionários” e não de “servidores públicos”, deixam andar, deixam normalizar situações que deveriam ser inadmissíveis.  

Fazem-se de mortos, apenas pensando em garantir o seu lugarzinho.

Estou convencida que não o fazem com intenção dolosa, mas a ausência de liderança pode ter repercussões muito graves para toda a população cujo bem-estar devia ser sempre a sua prioridade.
Podemos questionar onde estavam os comandantes de Tancos, o diretor (ou seu substituto) de Vale de Judeus, ou mesmo, os responsáveis pela segurança da Secretaria-Geral do ministério da Administração Interna que não repararam que havia obras no prédio ao lado e que os andaimes colocados podia ser um risco para o edifício, como acabou por ser.  

Também a tragédia dos incêndios de 2017, em junho e outubro, foram um culminar de sucessivas falhas de comando, estratégia e políticas. O preço aqui foi colossal, pago com as vidas de 115 pessoas.

Não deixa de ser, por isso, caricato que sempre que surge a raridade de um verdadeiro líder em alguma das áreas referidas, um dirigente que dá a cara pelos seus, que assume responsabilidades, que tem pensamento a longo prazo e não apenas no limite da sua comissão de serviço, é logo acusado de ser presumido, histriónico, alguém que “se põe em bicos de pés” e “quer dar nas vistas”.

Pode dar muito jeito a políticos que também só pensam no seu mandato ter dirigentes submissos, caladinhos, que deixem andar, mas é uma atitude que se pode virar duramente contra ambos.

Fizeram muito bem Rita Júdice, ao responsabilizar o diretor-geral dos Serviços Prisionais e a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco ao instaurar uma auditoria para identificar responsáveis de topo pela (in) segurança que facilitou o furto. Decisões que podem ser um aviso à navegação, um sinal a todos os dirigentes.

A persecução do serviço público, o altruísmo e a dedicação, deveriam também fazer parte dos requisitos de escolha dos seus substitutos, a par, claro está, das competências técnicas e experiência profissional. Destes e de todos os altos quadros do Estado, “servidores” de todos nós.

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