A visão do governo para melhorar a competitividade e produtividade da nossa Economia flexibilizando a legislação laboral, retirando diversos direitos aos trabalhadores, suscita dúvidas quanto à sua sustentação com base em conhecimento. Até agora, não são conhecidos estudos que demonstrem como essas medidas, que constam do anteprojeto já aprovado em Conselho de Ministros e apresentado na Concertação Social, vão aumentar a competitividade nem a produtividade. Já nem falando de exemplos insólitos, como a alegação de que mulheres fingem amamentar para trabalhar menos horas, como se tal fosse um obstáculo relevante ao crescimento nacional. As mudanças propostas, certamente bem intencionadas, são várias: termina a limitação de uma empresa recorrer ao outsourcing depois de ter realizado despedimentos coletivos ou por extinção de postos de trabalho nos 12 meses anteriores; pais com filhos até aos 12 anos, ou com deficiência ou doença crónica, deixam de poder recusar trabalho à noite, ao fim de semana e feriados; o prazo mínimo dos contratos a termo passar a ser de um ano, em vez dos seis meses, e o máximo do contrato (incluindo renovações) passa de dois anos para três anos, sendo que o limite máximo dos contratos a termo incerto passa de quatro para cinco anos; o direito ao horário reduzido durante a amamentação fica limitado a dois anos. Também passa a ser obrigatório comprovar a amamentação, com atestado, a partir do nascimento. Antes era só ao fim de um ano; redução de 40 para 20 horas por ano a obrigação das microempresas proporcionarem formação contínua aos seus trabalhadores; o luto gestacional é revogado (a lei garante o direito a três dias de falta justificados e sem perda de remuneração). São alguns exemplos.Para os sindicatos trata-se de um “assalto aos direitos dos trabalhadores” e os patrões, através das suas confederações, pedem que se facilitem ainda mais os despedimentos com recurso a uma figura que designam como “renovação do quadro das empresas”, que penalizará os funcionários mais experientes.Admitindo, mais uma vez, que podem haver relatórios nacionais que sustentem a eficácia destas medidas, uma breve pesquisa em estudos internacionais demonstra, porém, que há praticamente uma causa efeito entre mais direitos dos trabalhadores, mais produtividade e desenvolvimento económico. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) analisou mais de 2.300 estudos sobre qualidade do trabalho, saúde e produtividade (OCDE, 2023). A conclusão é inequívoca: a boa qualidade do trabalho (salário justo, estabilidade, reconhecimento e oportunidades de desenvolvimento) tem uma relação positiva com a produtividade individual. Investir em bem-estar laboral gera ganhos para empresas: menor rotatividade, menos dias de baixa e mais inovação. empregos de melhor qualidade - com salários justos, estabilidade e oportunidades de progressão - estão fortemente associados a maiores níveis de produtividade.Outro relatório da OCDE (“Is There a Trade Off Between Productivity and Employment?”, 2023) demonstra que não existe um conflito entre proteger trabalhadores e ter economias produtivas: países com políticas laborais mais protetoras conseguem simultaneamente produtividade elevada e maior empregabilidade. É o caso dos países nórdicos: a Dinamarca, por exemplo, regista cerca de 107,6 dólares por hora trabalhada, segundo a OCDE - quase três vezes mais do que Portugal, com 39 a 43 dólares por hora. Suécia e Alemanha seguem a mesma tendência, combinando proteção social e desempenho económico.A própria OCDE reforça que investir em formação - que a proposta do Governo pretende reduzir - e proteger trabalhadores mais velhos prolonga carreiras e gera valor (“Adult Skills and Productivity”, 2024). O mesmo se confirma no setor privado: um estudo da London School of Economics demonstra que melhorar o bem-estar laboral aumenta diretamente a produtividade.No fundo, todos estes estudos convergem num ponto: direitos laborais sólidos e boas condições de trabalho não são um custo; são um investimento estratégico em produtividade e competitividade.É pois necessário que, não ignorando os abusos (até reforçando a fiscalização), também não se corrijam distorções à custa de retirar direitos e não se deixe de olhar às boas práticas internacionais.Reformar o mercado de trabalho é legítimo e necessário. Ao mesmo tempo que se combate a litigância abusiva, talvez fosse importante avançar com melhores condições e incentivos ao mérito e à qualificação para uma economia cada vez mais exigente em competências. Se nada se fizer, os jovens, já confrontados com salários baixos e contratos a prazo sucessivos, verão a mobilidade social ainda mais distante. Os trabalhadores mais velhos, por seu lado, vão enfrentar uma transição forçada para a inatividade antes do tempo. No final, perde-se experiência, motivação e capacidade de inovação.