Devolver a racionalidade ao debate sobre a imigração

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A revisão da Lei da Nacionalidade e o debate sobre a imigração continuam a marcar a agenda política. Mas antes de nos deixarmos arrastar por slogans fáceis ou indignações de ocasião, convém lembrar o essencial: o aumento da imigração em Portugal na última década - tal como noutros países europeus - não foi um capricho ideológico. Foi uma decisão política racional, sustentada por princípios humanistas, sim, mas também por necessidades concretas do país. E contou com o apoio de boa parte do tecido empresarial.

Desde 2014, Portugal beneficiou de um mercado de trabalho mais dinâmico, que permitiu fazer a economia crescer e manter o Estado Social. Mário Centeno, ministro das Finanças dos governos de António Costa, disse-o várias vezes: sem imigração, não haveria crescimento económico. Pode argumentar-se que outras políticas teriam conduzido a resultados semelhantes ou até melhores, mas isso é outra discussão. O que não se pode negar é que a imigração foi parte de uma estratégia coerente e deliberada.

No entanto, um país não é uma empresa. E uma transformação demográfica desta magnitude - com a população imigrante a representar hoje cerca de 15% do total - tem inevitavelmente consequências sociais e políticas. A política não é apenas gestão de recursos: é também gestão de identidades, pertenças, medos e esperanças. Portugal não é um apartado postal, mas um Estado-nação com quase mil anos de história, uma língua e uma cultura próprias. É aqui que o debate se torna mais difícil - e mais necessário.

A discussão sobre imigração não pode, por isso, limitar-se à economia. Ela toca na própria ideia de nação, na definição do que significa ser português e nos contornos da nossa identidade coletiva. Podemos - e devemos - defender os princípios humanistas mais nobres. Mas não podemos ignorar a condição humana, que por natureza é avessa à mudança e receia o Outro. Fingir que esse receio não existe, ou desvalorizá-lo com condescendência, é o caminho mais curto para dar força aos populismos que se alimentam do medo e do ressentimento.

A nova Lei da Nacionalidade introduz aspetos controversos: a possibilidade de perda de nacionalidade em certas circunstâncias, regras mais exigentes para filhos de estrangeiros nascidos em Portugal, e um período transitório discutível. Mas tem o mérito de tentar separar dois conceitos que muitas vezes se confundem: imigração e cidadania. Esta última não pode ser encarada como uma mera formalidade. Ser cidadão é identificar-se com uma comunidade política, partilhar os seus valores fundamentais e aceitar os direitos e deveres que dela decorrem. O exemplo pode parecer extremo, mas não é excessivamente hipotético, dado o atual contexto geopolítico: quantos estrangeiros residentes em Portugal estariam dispostos a pegar em armas para defender o nosso país, se necessário? Provavelmente serão menos do que gostaríamos, mas muitos mais do que os críticos da imigração imaginam.

Por outro lado, embora o debate não deva ser reduzido à economia, também não a pode ignorar. Haverá um preço a pagar por tornar mais difícil a residência no nosso país. Estarão os críticos da imigração preparados para aceitar menos crescimento, inovação edinamismo? E, mais importante: existe uma alternativa viável ao modelo económico que vigorou na última década?

Estas são as perguntas difíceis que o país precisa de enfrentar - com coragem, com lucidez e com sentido de responsabilidade.

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