Desenvolvimento na ciência tem de ser desenvolvimento no trabalho

Publicado a

A realidade do mundo contemporâneo continua recheada de contradições.

Falam-nos de robôs altamente avançados capazes de executar tarefas de perícia milimétrica.

Falam-nos de meios e capacidades de comunicação capazes de acelerar toda a vida económica e social a um ponto nunca antes imaginado.

Falam-nos de sistemas de inteligência artificial capazes de dispensar o ser humano de tarefas desinteressantes e repetitivas e até capazes de substituir o trabalho humano em áreas críticas ou sensíveis.

Ao mesmo tempo, põem-nos pela frente perspectivas de enormes retrocessos nas condições de trabalho e de vida para milhões de pessoas.

Dizem-nos que é preciso tornar o trabalho mais flexível aumentando e desregulando horários de trabalho e impondo um maior condicionamento da vida dos trabalhadores em função das necessidades determinadas pelas empresas e uma ainda maior desarticulação e desconsideração pela vida familiar e social dos trabalhadores.

A ciência e a tecnologia permitem produzir mais em menos tempo mas querem aumentar a jornada de trabalho para 12 horas diárias e obrigar trabalhadores com filhos menores de 12 anos a trabalhar à noite, aos fins de semana e aos feriados. Nem as mulheres que estejam a amamentar encontram nessa circunstância razão suficiente para escapar ao ímpeto deste compasso de retrocesso social.

O que o mundo contemporâneo confirma é que o desenvolvimento científico e técnico não é automaticamente replicado em desenvolvimento social.

Quem exerce o domínio económico e político determina quem vai beneficiar do desenvolvimento científico e técnico. E pode mesmo tentar impor condições que determinam que a imensa maioria fica arredada do aproveitamento desses benefícios.

Esse é o ponto em que estamos. O ponto em que o poder político procura impor condições para que uma pequena minoria retire colossais benefícios do desenvolvimento científico e técnico enquanto a imensa maioria vê agravada a sua exploração e degradadas as suas condições de trabalho e de vida.

Isso acontece numa escala supranacional mas também à escala nacional.

As movimentação das empresas multinacionais à escala internacional e a cobertura que a União Europeia dá aos seus objetivos são disso um exemplo flagrante. As opções feitas, à escala nacional, pelo governo PSD/CDS dão tradução às mesmas opções.

O pacote laboral apresentado pelo governo é uma das peças centrais do caminho político no sentido do desigual aproveitamento social dos desenvolvimentos científicos e técnicos. Com a agudização das desigualdades e injustiças sociais que daí resulta.

Não é por maldade ou perfídia dos protagonistas governamentais que tal acontece. Muito menos por desconhecimento do mundo do trabalho ou alheamento face às suas circunstâncias. Aceitar isso seria absolver o governo e os governantes do papel político que assumem conscientemente ao fazer a política que, servindo os grandes interesses económicos e financeiros, prejudica a imensa maioria que vive do seu trabalho.

O confronto com o governo a propósito do pacote laboral é uma luta para travar, no imediato, o retrocesso que se pretende impor mas é, sobretudo, uma grande batalha por um futuro com uma repartição mais justa dos benefícios do desenvolvimento científico e tecnológico.

Eurodeputado. Escreve sem aplicação do novo acordo ortográfico

Diário de Notícias
www.dn.pt