Desafios
O início de um novo ano costuma ser altura de proclamar intenções e desejos que raramente se colocam em prática ou vemos satisfeitos. Assim como é habitual falar-se nos “desafios” que se vão ter pela frente, algo muito comum em figuras com variável dimensão pública, em particular na área da Política.
É quase sempre muito interessante verificar a tentação que algumas pessoas sentem de anunciar publicamente como “desafio”, que exige “sacrifícios”, que “rouba tempo à família”, aquilo que intimamente muito se deseja, apresentando como argumento o “apelo” de hordas de pessoas que só querem o melhor para [preencher a gosto].
Os campeões deste tipo de atitude foram, primeiro, o inefável Alberto João Jardim, e depois, ainda com maior duração, o indelével Jorge Nuno Pinto da Costa. Mas com muitos discípulos de menor destaque e sucesso. Era sempre a última vez que se candidatavam, até existir outra, por pressão dos apoiantes/militantes/simpatizantes. Era sempre com um enorme “custo pessoal” que o faziam, afirmando que “seria mais confortável não fazer nada”, mas sempre com aquela atitude de “se não for eu… virá por aí alguém muito, muito mau, quiçá mesmo o caos”. Ao nível das autarquias vimos como isto funcionou durante décadas e como se foram achando formas de tornear as limitações formais à sucessão de múltiplos mandatos. Atitude que muito se tem espalhado em outras áreas como a Educação, em especial em cargos de liderança (escolar, sindical, etc), nacional ou local.
O argumento é que, por serem sucessivamente escolhidos/reeleitos, está legitimada a sua atitude e confirmada a vontade “popular” ou equivalente, conforme o universo eleitoral. Também acontece que o “desafio” possa surgir pela primeira vez, para determinada “responsabilidade”, mas a retórica mantém-se a mesma. Este ano será a vez das candidaturas presidenciais.
No caso da Educação, para quem conhecer minimamente este minguado terreno chamado Portugal e a psicologia simples das “lideranças”, em especial de âmbito local, com as suas pequenas vaidades e seduções, sabe-se como há “lideranças intermédias” que se eternizam nas escolas, independentemente do seu desempenho. E o mesmo se passa com as lideranças de topo (vulgo, directores) que, depois de conseguirem um modelo único de gestão unipessoal, fizeram causas suas, micro-corporativas, a da manutenção desse modelo, sem alternativas, e a possibilidade de voltarem a contagem de mandatos a zero, numa próxima revisão da legislação, como aconteceu em 2008, de modo a juntarem mais um número indefinido de anos aos 16 que decorreram desde então e aos outros que para trás tinham ficado.
A justificação pública (o tal “desafio” que lhes foi lançado) raramente corresponde à verdade íntima que é a de acharem que o cargo são eles. Sem eles a Luz desaparecerá das escolas portuguesas e chegará uma nova Idade das Trevas.