Depressa e bem não há quem: Em democracia, a pressa é inimiga das reformas

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Vivemos tempos marcados pela urgência: as alterações climáticas, a transição digital, a instabilidade geopolítica e as desigualdades crescentes exigem respostas decididas. Mas entre o imperativo de agir e a tentação de decidir depressa, vai uma diferença fundamental. Porque reformas apressadas tendem a falhar, quer por falta de apoio, de viabilidade ou de legitimidade.

A democracia, por definição, exige tempo. Tempo para dialogar, para ponderar, para construir consensos possíveis entre interesses legítimos e muitas vezes divergentes. Esse tempo não é tempo perdido. É o tempo que garante que as decisões são debatidas, anunciadas, aprovadas, implementadas, produzem resultados e sobrevivem aos ciclos noticiosos e às mudanças eleitorais.

Esse tempo necessário ao diálogo e à construção de soluções comuns corresponde a uma qualidade essencial que a candidatura de Évora a Capital Europeia da Cultura 2027 resgatou com inteligência: o vagar. Longe de significar inércia ou lentidão, o vagar traduz uma atitude organizacional estratégica: a capacidade de criar tempo de qualidade para escutar, refletir, envolver e decidir de forma ponderada. Em contextos de governação democrática, o vagar permite antecipar conflitos, integrar diferentes perspetivas e construir compromissos duradouros. É o contrário da pressa reativa que conduz a reformas frágeis. É o que distingue lideranças que gerem a mudança das lideranças que simplesmente a anunciam.

A história está cheia de reformas que falharam por falta de vagar democrático. Quando se decide em circuito fechado, sem consulta, sem escutar, sem cooperação, o resultado tende a ser instável. As resistências multiplicam-se, a implementação emperra, a contestação cresce e a credibilidade da mudança esvazia-se.

É aqui que o exemplo nórdico da flexissegurança ganha relevância. Em países como a Dinamarca, Suécia e Finlândia, as reformas do mercado de trabalho nas últimas décadas combinaram flexibilidade para as empresas contratarem e despedirem com fortes sistemas de proteção social e ativa participação dos sindicatos na formulação das políticas laborais. Não se tratou de um pacto episódico, mas de um modelo institucionalizado de cooperação entre patrões, sindicatos e Estado.

Os acordos foram negociados com transparência e os Parceiros Sociais passaram a co-criadores das políticas e não como obstáculos às mudanças. O resultado? Mercados de trabalho mais resilientes, menos conflituosos, com maior coesão social e capacidade de adaptação às crises económicas e tecnológicas.

Este exemplo demonstra que mudanças construídas com as partes interessadas são mais sustentáveis e mais eficazes. O diálogo ativo, a transparência, a participação estruturada e a co-decisão não atrasam a ação. Preparam-na. Aprofundam o diagnóstico, identificam obstáculos, integram conhecimento prático e criam sentimento de pertença nas soluções. Isso traduz-se em maior adesão, menor resistência e mais resultados.

Portugal tem dado passos tímidos neste sentido. Os orçamentos participativos, experiências de co-criação de políticas públicas, o papel crescente da sociedade civil em algumas agendas estruturantes mostram que é possível fazer diferente. Mas a participação continua, demasiadas vezes, a ser simbólica, episódica ou tardia. Falta-nos uma cultura institucional que reconheça o valor estratégico do vagar democrático: pensar, ouvir e decidir com tempo, com método e com as pessoas.

É tempo de assumir que a democracia não é um entrave à mudança, mas a sua base mais sólida. Reformas feitas com dialogo, envolvimento e negociação não só são mais justas, como têm muito mais hipóteses de resultar. E é essa eficácia duradoura que deve interessar a quem quer transformar para melhorar a qualidade das organizações. Num tempo em que a pressão para agir é legítima, talvez o mais revolucionário seja recordar que as soluções que resistem não são as mais rápidas, mas as mais partilhadas. Um futuro melhor para todas as pessoas faz-se com cooperação e com vagar.

Professor Convidado IEP/UCP e NSL/UNL

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