Democracia energética: quase lá – ou não

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Nenhum fator coloca Portugal internacionalmente em tão grande desvantagem como o custo da energia. Não temos petróleo nem gás, exportamos essencialmente por terra, temos poucas cidades densas (o que gera muito uso de carros e baixo uso de transportes públicos), má construção das casas e pouco dinheiro para aquecê-las. Na base deste aperto energético estão custos fixos elevadíssimos em múltiplas centrais elétricas cujo objetivo é o de garantir que não há falhas de abastecimento. Só que descobrimos, por via das operações do Ministério Público em curso, que estes custos foram alegadamente definidos num cenário de corrupção soez com impacto em todos os portugueses, todos os dias, e contra o qual quase nada se pode fazer.

A esperança num futuro diferente parecia, no entanto, em marcha, até que a 31 de Dezembro, a Comissão Europeia libertou o seu panfleto tático sobre como enfrentar o dilema do crescimento da procura de energia. E algo mudou profundamente. Afinal, a Europa quer investir em mais nuclear e gás natural. Em vez de alterar as leis para operacionalizar melhor a capacidade já instalada, além de investir nas redes para distribuir melhor, a opção é outra: oferece aos gigantes do setor, de mão beijada, a perpetuação do velho modelo de negócio por mais umas décadas.

Como compreender que a Europa use os fundos de descarbonização para apoiar mais nuclear e centrais a gás natural? Como recentemente aqui registei, um profundíssimo estudo levado a cabo por uma equipa de Oxford - analisando décadas de preços das tecnologias energéticas - demonstrou que as energias limpas têm uma curva de preço cada vez mais barata. Ao contrário, o nuclear continuar a subir, há décadas, nos custos diretos e indiretos.

Paradoxalmente, é no momento em que estamos a um passo de mudar o paradigma da produção da energia, que Bruxelas se rende. Casas e condomínios com painéis solares cada vez mais eficientes, associados a baterias de maior capacidade para aguentar maiores períodos sem sol, vão autonomizar os edifícios e acabar com o jugo da conta da eletricidade doméstica. Além disso, fotovoltaico em grande escala, hidrogénio verde produzido a partir de energia solar, eólicas, hídricas, geotermia, e ao que ainda resta de nuclear e gás na base da pirâmide, ajudar-nos-ão a atravessar esta última fase e a mudar o paradigma. A rapidez nas mudanças e tecnologias é tal que, com uma gota do que custam as novas centrais nucleares, se aplicarmos esse dinheiro em investigação de ponta, teremos múltiplas fontes de energia, limpas e mais baratas, acabando com a atual servidão fóssil ou nuclear.

É por isso que chegamos a este ponto: à última oportunidade dos grandes lobbies financeiros e energéticos nos esmagarem por mais 50 anos. Os novos contratos de energia nuclear não pretendem mais do que tornar inútil a avalanche de produção de energias limpas descentralizadas, já no horizonte. É nisto que as grandes empresas de energia vão investir tudo, comprando espaços e influências em jornais e televisões, charme em cima de políticos, desinformação, e sobretudo infiltração lobbista em Bruxelas. Como dizia ontem aqui Viriato Soromenho-Marques, "de fora fica o direito dos jovens europeus a um futuro habitável". Só que... não, não passarão. Temos o dever de o impedir.

Jornalista

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